Por: Margaret Gramatky Alter
O método radical de restauração usado por Jesus
Quando lemos os evangelhos, é impossível deixar de notar a prática insistente que Jesus fazia do perdão, o que nos obriga a ficar face a face com a palavra mais impopular do vocabulário cristão: pecado.
Pecado é o estado de estar alienado de Deus, dos outros e do nosso verdadeiro eu. Por conta desse senso de separação, passamos a comportar-nos de formas alienantes. Temos uma consciência dolorosa – geralmente secreta e vergonhosa – de nosso isolamento, das nossas falhas conseqüentes e da constante repetição das mesmas. É um enorme fardo para nossos corações.
A Farsa das Folhas de Figueira
Presos dentro de nossa vergonha alienante, perdemos nossa flexibilidade. Temos um anseio desesperado para consertar as coisas. À semelhança de Adão e Eva no jardim, costuramos folhas de figueira para esconder nossa nudez de nós mesmos, dos outros e de Deus.
Nas igrejas, damos excessiva atenção às aparências: sorrimos bastante, usamos um vocabulário teológico correto – e sentimo-nos profundamente solitários. Continuamos, portanto, em extrema separação e fechamento. Só o perdão de Deus, oferecido abundantemente em Jesus, é que poderá aliviar nossos corações, restabelecer-nos com Deus, com a comunidade e com nossas próprias mentes.
Jesus presume a universalidade do pecado e torna o perdão central em sua vida e ensinamentos. Através de todo o relato dos evangelhos, observa-se como ele age em cima de duas premissas básicas: a necessidade universal de perdão e a presença constante de um Deus interessado e compassivo. Jesus recebe ternamente aqueles que são declaradamente pecadores e confronta vigorosamente gente religiosa que usa sua bondade para barganhar com Deus. Em outras palavras, aqueles que sabem que estão sobrecarregados e doentes encontram alívio, enquanto aqueles que encobrem suas falhas com as folhas de figueira da justiça própria são descobertos e convidados a desistirem de seu fingimento.
Primeiro, o Perdão
O estilo de perdão que Jesus praticava vem direto ao encontro da nossa alienação; porém, a julgar-se pela experiência humana em geral, sua abordagem choca nosso senso racional. O perdão que oferecia não era condicionado a um pedido de desculpas. Jesus não disse ao jovem paralítico: “Agora, tão-somente diga que está arrependido e eu lhe perdoarei e o curarei”. Pelo contrário, demonstrou anelo, ternura, regozijo; estava removendo das costas do jovem um peso intolerável. Ele disse: “Tenha bom ânimo, filho; os seus pecados estão perdoados” (Mt 9.2, NVI). É como se o perdão precedesse o arrependimento; o próprio perdão gerava segurança para que as pessoas pudessem reconhecer o quanto estavam voltadas para dentro, necessitadas e vazias.
Zaqueu (Lc 19.1-10) era um rico cobrador de impostos que trabalhava para os romanos e enchia seus próprios bolsos. Ele era, portanto, um traidor do seu próprio povo, cortado por suas próprias ações. Como resultado, fora excluído da comunidade e da intimidade da mesa de comunhão (comer juntos), o que era permitido apenas entre membros da família ou entre pares na sociedade. De fato, comunhão à mesa indicava status a tal ponto no mundo mediterrâneo do primeiro século que até mesmo aquele que escolhesse associar-se com homens como Zaqueu ficava com a reputação manchada. A decisão de Jesus de se convidar para comer na casa dele encarnava profundo perdão.
Jesus incluiu Zaqueu antes que ele sequer se reconhecesse pecador. Restituiu Zaqueu à comunidade através da dramática intimidade de partilharem comunhão à mesa, e Zaqueu respondeu como se tivesse sido perdoado. Arrependeu-se e prometeu abandonar radicalmente seu comportamento alienante.
Perdão precede arrependimento. É como se Jesus entendesse que estamos acorrentados – que nossa vergonha é tão terrível que não conseguimos sequer nos mover. O perdão de Jesus concede-nos a liberdade de encarar nossas vidas o suficiente para nos arrependermos. O arrependimento conectou Zaqueu – e conecta a nós também – ao perdão. Jesus exultou: “Hoje houve salvação nesta casa! Porque este homem também é filho de Abraão” (Lc 19.9, NVI).
Necessidade Universal do Perdão
Ainda outro incidente no evangelho amplia esse tema. Jesus é confrontado por uma multidão que empurra diante de si uma mulher surpreendida “no próprio ato” de adultério (Jo 8.1-11). A mulher está profundamente isolada. Não há ninguém para protegê-la ou tomar seu partido. Ninguém a acompanha e ninguém lhe oferece apoio. O outro parceiro da dupla adúltera não aparece. A mulher, definitivamente, é um objeto nas mãos de seus algozes.
Talvez fosse notório que praticava tais atos, sendo assim um caso seguro a ser usado para testar Jesus. Ninguém questionaria sua culpa. Talvez ela tivesse uma história de abuso sexual e, por isso, não tinha firmeza para recusar assédios sexuais; simplesmente era arrastada resignadamente para repetir o mesmo comportamento. Pode ser que até tentasse cobrir sua paralisia com uma capa defensiva que imitava autoconfiança, mas que era, na verdade, uma frágil folha de figueira de desespero.
Jesus, porém, parte da premissa de que todos pecaram e necessitam do perdão de Deus. Os homens perguntam se ele confirma a lei e concorda com a sentença de apedrejamento; ele se recusa a responder. Começa a escrever com seu dedo no chão. O silêncio, tão raramente empregado, é uma poderosa ferramenta de confronto. Mas os homens, ainda acreditando firmemente em suas folhas de figueira, têm a certeza da lei a seu favor e insistem na pergunta: “O que você diz?”
Jesus, seguindo sua convicção, consegue penetrar as defesas dos ouvintes: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire a pedra”.
Ele insiste na necessidade universal de perdão. Volta a escrever e, no seu silêncio confrontador, os acusadores vão embora.
Sozinho agora com a mulher, Jesus demonstra novamente a qualidade incomum do seu perdão: pessoal, gentil, atenuante, uma valorização incondicionalmente positiva. Jesus não apenas oferece alívio para seu fardo e sua vergonha, mas também estende uma proteção adicional: a capacidade de recusar assédio sexual e, portanto, de pôr fim ao abuso. “Vai, e não peques mais”, ele diz, capacitando-a a dizer não e a estabelecer limites.
Celebrando o Perdão
Jesus sabe que seres humanos definham em sua carência de perdão. Não importa o quanto tenham culpa ou insistam em justificar a si mesmos, Jesus procura devolver as pessoas a si mesmas, a suas comunidades e a Deus. Ninguém está alienado demais – nem Zaqueu, o traidor, nem a mulher surpreendida em adultério. Jesus vai ao encontro do seu sofrimento com perdão.
Jesus intervém em nosso sofrimento, chamando-nos à intimidade radical da comunhão à mesa. A própria celebração do evangelho convida-nos ao arrependimento e vacina-nos contra a desesperança. Será que podemos, de fato, sentar-nos com Jesus e lembrar, na liturgia, nas Escrituras, em sermões e músicas, o amor e a liberdade que ele nos oferece? Podemos deixá-lo lavar amorosamente nossos pés? Podemos receber seu banquete e reparti-lo aos outros: “Este é o pão da vida dado em favor de vós”?
Em meio a essa comunhão de cura, podemos demonstrar misericórdia e conceder perdão a nossos inimigos? Após tal celebração da doçura de Deus, o que poderia ser mais natural?
Um Consolo – e uma Ameaça
No entanto, devemos lembrar que o chamado de Jesus para perdoar é, ao mesmo tempo, uma libertação e uma profunda ameaça. Sua ordem para amar nossos inimigos abala as bases do controle social. O perdão de Jesus a Zaqueu gerou inimigos; seu perdão à mulher adúltera fomentou planos para sua morte.
Quando uma mulher da vida penetrou uma festa exclusivamente masculina para lavar os pés de Jesus com suas lágrimas e secá-los com seus cabelos, os fariseus presentes sabiam que nunca agiriam assim. Duvidaram da identidade profética de Jesus. Afinal, esse homem permitiu que uma mulher pecadora o tocasse e, assim, o contaminasse.
Jesus, porém, mostrou-lhes o espelho da sua própria pecaminosidade. “Saiam detrás das folhas de figueira de justiça própria que vocês mesmos costuraram. Sejam perdoados e vivam abundantemente.”
Seguir Jesus a uma vida de perdão é algo que custa caro. “Venham”, Jesus nos diz em nossa paralisia, “seus esforços para permanecer no controle, para conquistar sua própria justiça, são essas coisas que os atormentam. Todos os seus esforços para tomar o lugar de Deus estão perdoados. Alimentem-se na celebração do meu evangelho. Lembrem a si mesmos, e uns aos outros, de que vocês são meus amigos. Eu os chamo para serem maravilhosamente humanos, para andarem comigo na ambigüidade da finitude, para aceitarem sua incapacidade. Eu lhes mostrarei o caminho.”
Margaret Gramatky Alter é autora e professora de psicologia em New College, Berkeley, na Califórnia, EUA.
Este artigo foi publicado originalmente na Revista “Christianity Today”, edição de 16 de junho de 1997. Traduzido e publicado com permissão de Christianity Today International, Carol Stream, IL, EUA. Para mais informações acesse www.christianitytoday.com.