Por Dallas Willard
“Eis que passava o Senhor: e um grande e forte vento fendia os montes e despedaçava as penhas diante do Senhor, porém o Senhor não estava no vento; depois do vento, um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto; depois do terremoto, um fogo, mas o Senhor não estava no fogo; e, depois do fogo, um cicio tranqüilo e suave” 1 Reis 19.11,12.
Deus se comunica com o homem por várias razões, sendo que a principal é para desenvolver e manter um relacionamento com ele. Por isso, como discípulos de Jesus Cristo, não podemos, jamais, abrir mão da fé em nosso potencial de ouvir a Deus. Abandoná-lo significa deixar de lado a realidade de um relacionamento pessoal com o Senhor, e isso nós não podemos fazer.
Um dos principais motivos humanos de querer ouvir a Deus é relacionado com a nossa necessidade de buscar direção, de sermos guiados, de saber o que devemos ou podemos fazer em determinadas circunstâncias. Por certo, Deus poderia determinar o curso de nossa vida, manipulando nossos pensamentos e sentimentos ou interferindo nas circunstâncias externas. Essa interferência, muitas vezes, é chamada de “abrir” e “fechar” portas de acordo com a “vontade soberana” de Deus. Embora isso realmente aconteça na vida dos cristãos, Deus nos guia preferencialmente falando conosco.
Deus pode se dirigir a nós de várias maneiras: em sonhos, visões, vozes; por meio da Bíblia e de eventos extraordinários; e assim por diante. Cada modo de comunicação tem suas finalidades e pesos específicos. Em termos de importância, a Palavra escrita e Jesus (a Palavra viva) não podem ser comparados nem mesmo a uma voz ou visão utilizadas pelo Senhor para falar com uma determinada pessoa. E, dentre as experiências individuais de ouvir a Deus, o “cicio tranqüilo e suave” desempenha um papel mais importante do que todas as outras. Dentre todas as rotas subjetivas possíveis, essa é mais adequada ao propósito de redenção de Deus porque é a que mais envolve as faculdades dos seres livres e inteligentes que se envolvem na obra de Deus como seus colaboradores e amigos.
A Lâmpada do Senhor
O que é esse cicio tranqüilo e suave? A frase foi extraída da história de Elias citada no início deste texto. A tradução também poderia ser “o sussurro suave de uma voz” ou “um murmúrio tranqüilo”. Todas essas expressões enfatizam que o meio usado para a transmissão da mensagem não chamava a atenção.
No cicio tranqüilo e suave de Deus, recebemos uma mensagem que traz o selo de sua personalidade com muita clareza, de uma forma que aprenderemos a reconhecer. Mas, fazendo contraste com outros casos, o meio através do qual a mensagem nos chega é diminuído, quase até desaparecer, e toma a forma de pensamentos que são nossos, embora não provenham de nós. Dessa forma, o espírito humano se torna “a lâmpada do Senhor, e vasculha cada parte do seu ser” (Pv 20.27).
Infelizmente, é fácil não perceber ou não dar atenção a essa palavra suave. E ela já foi, até mesmo, depreciada ou desprezada por alguns que acreditam que apenas as mensagens mais explosivas podem ser autênticas. Se essa visão fosse correta, o viver de quem ouve a voz de Deus seria tomado, constantemente, pela explosão de fogos vindos do céu. Mas isso não condiz com o curso normal da vida.
É importante ter sempre em mente que a pessoa pode não ter consciência de estar ouvindo a voz, pois esta não precisa se estabelecer nos pensamentos. E também não é pré-requisito, para ouvir a voz, ter conhecimento de teorias ou doutrinas sobre ela. Na verdade, eu acredito que é possível alguém interagir sempre com a voz de Deus sem a reconhecer como especial. Ao contrário dos que passaram pelas experiências mais espetaculares, os mais dedicados às conversas entre Deus e o ser humano geralmente relutam em falar muito sobre a voz interior. E é assim mesmo que deve ser. A comunicação de Deus com uma pessoa não é destinada a ser objeto de exposição, assim como as inter-relações humanas também não o são.
De modo geral, Deus não briga para chamar nossa atenção. Ocasionalmente, um Saulo é jogado ao chão, mas o que podemos esperar é que, na maioria dos casos, o Senhor não passará por cima de nós. Afirmo, com toda a seriedade, que é possível nos enganarmos, confundindo a voz de Deus com o alto som de um rádio, com um barulho qualquer ou – o que é ainda mais provável – com apenas mais um de nossos pensamentos.
A realidade de Deus não nos isenta da responsabilidade de procurar por sua voz. Quando desejo encontrar alguma coisa, procuro em toda parte. Ele promete que, no momento em que o buscamos com fervor, dispostos a mudar nossa rota para examinar tudo que possa ser uma iniciativa dele para encontrar-nos – até mesmo o que é mais óbvio, como os versículos bíblicos e nossos pensamentos – é que o encontraremos (Jr 29.13). Mas só seremos capazes de buscá-lo quando acreditarmos de verdade que ele pode dirigir-se explicitamente a nós da forma que for mais adequada aos seus propósitos em nossa vida.
Em uma passagem de grande importância para o assunto tratado aqui, o apóstolo Paulo faz uma comparação entre os humanos e Deus quanto ao autoconhecimento: “Pois, quem conhece os pensamentos do homem, a não ser o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o Espírito de Deus” (l Co 2.11).
Em seguida, Paulo mostra que recebemos o Espírito de Deus e que, por isso, podemos procurar conhecer sua mente através de seu Espírito, fazendo um contraste com o provérbio citado acima, que enfatiza o Senhor usando nosso espírito. Após citar a pergunta de Isaías 40.13: “Quem conheceu a mente do Senhor para que possa instruí-lo?”, o apóstolo responde: “Nós, porém, temos a mente de Cristo” (l Co 2.16).
Assim, Deus usa nosso autoconhecimento e nossa autoconsciência, intensificados e aprimorados por sua presença e direção, para esquadrinhar-nos e revelar-nos a verdade sobre nós mesmos e sobre o nosso mundo. E somos capazes de usar esse conhecimento dele mesmo – colocado à nossa disposição em Cristo e nas Escrituras – para entender, até certo ponto, seus pensamentos e suas intenções para nós, e para ajudar-nos a enxergar suas obras em nosso mundo.
O espírito humano, portanto, é verdadeiramente a “lâmpada do Senhor”, e sob essa luz vemos a nós mesmos e a nosso mundo assim como Deus nos vê. Dessa forma, ele se dirige a nós, fala-nos, através de nossos próprios pensamentos. Você pode e deve experimentar isso.
Pensamentos Recorrentes
Russ Johnston aponta a importância dos pensamentos recorrentes na comunicação entre Deus e seus filhos:
Veríamos resultados maravilhosos se ao menos nos ocupássemos de forma santa com os pensamentos que permanecem em nossa mente. Mas a maioria não faz isso. […] Quando os pensamentos vierem à sua mente, e lá permanecerem, pergunte a Deus: “O Senhor quer mesmo que eu (ou nós) faça (ou façamos) isso?” A maioria de nós deixa esses pensamentos sumirem, e Deus busca outra pessoa para ficar na brecha. (How to Know the Will of God – “Como Conhecer a Vontade de Deus”, p. 13).
“Mas a maldade não é inerente aos nossos pensamentos?”, alguns perguntariam. A impressão que certos autores ou pensadores transmitem é que se um pensamento é nosso, não é, de forma alguma, confiável. Afinal, para apoiar esse ponto de vista, Deus não diz, em Isaías 55.8, que “os meus pensamentos não são os vossos pensamentos”? E Jeremias não afirma também que nosso coração é desesperadamente corrupto, além de toda nossa capacidade de compreensão (Jr 17.9)?
Esse ensino em relação aos nossos pensamentos, bem-intencionado mas errado, tem causado muitos danos à compreensão de como se ouve a voz de Deus. Há um ponto importante, sem dúvida, em enfatizar a diferença entre a visão de Deus e a das pessoas comuns que não vivem junto a ele, ou mesmo a da nossa mente carnal. Mas esse ponto não deve obscurecer o simples fato de que Deus vem até nós exatamente dentro e através de nossos pensamentos, percepções e experiências, e que ele só pode chegar à nossa consciência através deles, já que constituem a essência de nossa vida. Como conseqüência, devemos ser transformados pela renovação de nossa mente (Rm 12.2). A incursão misericordiosa de Deus em nossa alma pode transformar nossos pensamentos nos dele. O processo de aprendizagem para distinguir entre nossos pensamentos e os pensamentos de Deus realmente pode ser longo e complexo, mas se fecharmos essa porta à voz de Deus no nosso interior, estaremos limitando seriamente o nosso relacionamento com ele.
Embora existam vários elementos nessa questão de distinguir entre um pensamento nosso e um que venha de Deus, cabe colocar aqui pelo menos um conselho prático com relação aos pensamentos recorrentes: detenha-se sempre em oração, para avaliar se são manifestações da “lâmpada” do Senhor, ou se há neles algum outro significado. Embora os pensamentos recorrentes não sejam sempre indicação de que Deus está falando, também não devem ser desprezados com leviandade.
Extraído de “Ouvindo Deus”, Dallas Willard, Editora Textus, Editora Ultimato.