Por: Martin Lloyd-Jones
Em Mateus 5.31,32, durante o Sermão do Monte, Jesus falou sobre o delicado tema do divórcio. Temos aqui uma daquelas seis declarações feitas por nosso Senhor, mediante as quais ele introduz seu assunto através da fórmula: “Ouvistes que foi dito… Eu, porém, vos digo…”. É importante observar que, nesses seis contrastes apresentados por nosso Senhor, ele não estava comparando a lei de Moisés, como tal, com a sua própria doutrina; antes, ele comparava essa lei com a falsa interpretação exposta pelos fariseus e escribas.
1. O que a lei de Moisés realmente ensinava (Dt 24.1-4)?
A primeira coisa a observar na dispensação mosaica é que a palavra “adultério” não é mencionada dentro do ensino referente ao divórcio; e isso pela excelente razão que, sob a lei mosaica, a punição para o adultério era a morte.
Qual, pois, era o objetivo da legislação mosaica no tocante ao divórcio? Primeiro, que o princípio de um divórcio era limitado a determinadas causas. Antes que pudesse obter o divórcio, um homem tinha de provar que havia algum motivo deveras especial, descrito sob o título de “impureza” ou “imundícia”. Assim eliminava-se todas as razões frívolas, superficiais e injustas, restringindo-as a uma única questão.
Segundo, que qualquer homem que se divorciasse de sua mulher teria que dar-lhe carta de divórcio. O divórcio foi assim transformado em uma medida formal e séria, e não num assunto frívolo determinado pelo capricho do marido.
O terceiro passo dado pela legislação mosaica era extremamente significativo, a saber, o homem que se divorciasse de sua esposa, dando-lhe carta de divórcio, não tinha a permissão de contrair segundas núpcias com ela. Com isso mostrava que o casamento não é uma aventurazinha da qual se podia entrar e sair a seu bel-prazer.
2. O que os fariseus e escribas ensinavam?
Eles diziam que a lei de Moisés ordenava, e até mesmo recomendava, que um homem se divorciasse de sua mulher, sob diversas condições. Quão típico é isso da doutrina dos fariseus e escribas e do seu método de interpretar a lei! Na realidade, estavam fugindo da lei, tanto no que concerne à letra quanto no que concerne ao seu princípio básico. E o resultado disso era que, nos dias de nosso Senhor, terríveis injustiças vinham novamente sendo cometidas contra as mulheres, que podiam receber de seus maridos cartas de divórcio pelos motivos os mais frívolos e disparatados.
Para aqueles homens, só havia uma questão realmente importante, que era a outorga, de forma legal, de uma carta de divórcio. Quanto a isso, eles eram minuciosos, conforme também se mostravam a respeito de todos os demais detalhes legais, não obstante ninguém declarasse mais o motivo do divórcio, pois este perdera a importância. O que era supremamente importante é que à mulher repudiada fosse dada uma carta de divórcio!
3. A resposta de Jesus (Mt 5.32 e 19.3-9).
Primeiro: a santidade do matrimônio. O matrimônio não consiste em um contrato civil nem em um sacramento apenas. O casamento é algo mediante o que duas pessoas, marido e mulher, tornam-se uma só carne. Algo novo e distinto passou a existir, antigos laços são rompidos, e um novo laço é formado. Esse aspecto, que alude a “uma só carne”, percorre a Bíblia inteira, sempre que esse tema é tratado.
Segundo: Só existe uma razão legítima para o divórcio – relações sexuais ilícitas. Sim, há um motivo; mas somente um. E esse motivo é a infidelidade conjugal por parte de qualquer dos cônjuges. Este termo “relações sexuais ilícitas” é inclusivo e realmente significa infidelidade da parte de um dos cônjuges.
Ora, esse é um argumento deveras importante e vital. Coisa alguma serve de motivo para o divórcio, exceto a infidelidade conjugal. Sem importar quão difícil se tenha tornado a situação entre marido e mulher, sem importar quais sejam as tensões e demandas, sem importar o quanto se possa dizer acerca da incompatibilidade de gênios, coisa alguma pode dissolver esse liame indissolúvel, salvo uma única causa, que é a infidelidade conjugal.
Terceiro: Se alguém divorciar-se de sua mulher, por qualquer outro motivo que não seja a infidelidade conjugal, arrisca-se a torná-la adúltera. “Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera…” (Mateus 5.32). O argumento pode ser reduzido ao seguinte: só existe uma coisa capaz de romper os laços matrimoniais. Portanto, se um homem vier a separar-se de sua esposa por qualquer outro motivo, estará separando-se dela sem haver rompido aqueles laços. Isso posto, ele a estará forçando a quebrar esses laços, se porventura ela vier a casar-se de novo; e, assim sendo, ela estaria cometendo adultério. Destarte, o homem que se divorcia de sua mulher por qualquer razão que não seja essa, ao assim fazer estará obrigando sua mulher a cometer adultério. O marido será o causador desse adultério, e o homem que vier a casar-se com a mulher repudiada também será adúltero.
E dois são os grandes resultados dessa sua doutrina. Primeiro, que, daquele tempo em diante, homens e mulheres não mais seriam apedrejados até à morte, por motivo de adultério. Se alguém quiser tomar alguma providência, em face de um caso de adultério, que se divorcie.
Segundo, que o divórcio, quando legítimo, põe fim a toda e qualquer vinculação anterior, segundo ensinou o próprio Senhor Jesus. O relacionamento daquele homem para com sua esposa tornou-se o mesmo como se ela tivesse morrido; e este homem inocente tem o direito de casar-se de novo. Mais do que isso, se ele é um homem crente, então tem o direito de ter um casamento cristão. Porém, nesse caso, somente ele teria esse direito, e não ela; ou vice-versa, caso o culpado tivesse sido o homem.
Este texto foi extraído e sintetizado do capítulo 24 do livro “Estudos no Sermão do Monte”, Martyn Lloyd-Jones, editora Fiel. Recomendamos a leitura integral desse capítulo para conhecer, de forma integral, o pensamento do renomado teólogo e pregador sobre o assunto (disponibilizado para o leitor na parte “Matérias Extras”).
Dr. Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) é considerado um dos maiores pregadores britânicos do século XX. Foi pastor do afamado Westminister Chapel em Londres durante quase 30 anos (1939-1968). De suas pregações em profundidade, foram produzidos inúmeros livros, com séries extensas sobre o livro de Romanos, Efésios e Atos, entre outros.