Por: Harold Walker
A Distinção Sexual da Humanidade é Temporária
A Palavra de Deus deixa bem claro que a divisão da humanidade em dois grupos sexuais, homens e mulheres, é temporária e passageira. Na vida eterna, de acordo com Jesus, seremos como os anjos no céu, que não se casam nem se dão em casamento (Lc 20.34-36). Paulo afirma que em Cristo “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher…” (Gl 3.28). No reino de Deus, ele é pai e todos os salvos são seus filhos sem distinção de sexo.
Por que, então, existe esta distinção agora? Será que é apenas uma estratégia para a multiplicação do ser humano? Será que, ao entrarmos nas primícias do reino de Deus pelo novo nascimento e batismo no Espírito, devemos ignorar totalmente a diferença entre homem e mulher e agir como se não houvesse mais esta distinção?
Durante toda a história as pessoas têm lutado para entender essas questões, mas creio que nestes últimos tempos Deus quer nos conceder uma visão mais clara do seu propósito nesta área para que todos nós, homens e mulheres, realizemos todo o potencial que ele investiu em nós.
Durante a maior parte da história, a maldição pronunciada por Deus sobre a mulher por ocasião da queda resultou na opressão dela pelo homem, numa sucessão infindável de abusos e injustiças. Foi apenas nos últimos dois séculos que houve uma progressiva libertação das mulheres do jugo opressor do machismo, com a correção de muitos abusos nos sistemas legais, sociais e culturais, mas isso aconteceu apenas nos países mais desenvolvidos. Entretanto, mesmo no curto período de tempo em que ocorre esta reparação parcial e incompleta das injustiças sofridas pelas mulheres por séculos, já se percebe os efeitos nefastos do feminismo na família e na sociedade: altos índices de divórcio e aborto e confusão generalizada sobre o papel do homem e da mulher, tanto na sociedade em geral quanto dentro da própria igreja.
Por um lado, sabemos que em Cristo somos libertos dos abusos produzidos pelo machismo e das maldições da queda, tanto sobre o homem quanto sobre a mulher. Por outro lado, também sabemos que atualmente há um ataque satânico específico, através do feminismo, contra a ordem divina na criação, no sentido de destruir a distinção entre homem e mulher e assim torpedear tanto a família quanto a igreja.
Mas se nem o machismo nem o feminismo é certo, qual é a resposta? Qual é a ordem divina na criação? Qual é o papel da mulher na igreja, no mundo e no plano cósmico de Deus?
A Figura é Passageira Mas a Realidade é Eterna
Uma forma de resumir a Bíblia inteira em poucas palavras é a seguinte: Antes de existir o mundo havia o Pai e o Filho em perfeita comunhão através do Espírito Santo. Depois de terminar o mundo, a Trindade bendita continuará nesta comunhão, mas com um elemento novo: o Filho terá uma Esposa! O assunto da Bíblia inteira é como esta Esposa será formada e deixará a condição de criatura perecível e passageira para se adentrar nesta comunhão divina e eterna.
É verdade que na vida eterna não haverá mais a distinção entre homens e mulheres, mas isto não será porque é algo trivial e passageiro, e sim porque a figura passará diante da grandeza eterna da realidade. Quando todos os seres humanos que estiverem “em Cristo” formarem a Noiva do Cordeiro, não será mais necessária essa distinção entre eles. Quando chegar o que é perfeito, o que é em parte passará. Quando a verdadeira família aparecer, as famílias humanas desaparecerão. Quando a verdadeira Noiva aparecer, as outras figuras femininas sumirão.
A figura é importante na medida em que reflete com fidelidade a realidade que representa. Se por um lado, ela não deve ser supervalorizada a ponto de ofuscar a realidade que retrata, por outro lado não deve ser desprezada ou deturpada, senão deixará de representar a realidade.
Traduzindo em termos simples, apesar de sabermos que em Cristo, no nível do Espírito e na vida eterna, não há mais distinção entre homem e mulher, agora, nesta era presente, precisamos entender, respeitar e preservar esta diferença porque é a manifestação no tempo e no espaço de uma verdade eterna. Todo o plano de Deus na história gira em torno deste mistério do casamento, da união do divino com o humano, do Criador com a criatura, de Cristo com a Igreja.
Funções Diferentes mas Complementares
Não é nosso propósito neste artigo descrever pormenorizadamente os papéis do homem e da mulher no plano de Deus. O que queremos fazer é ressaltar o aspecto principal da função de cada um e mostrar como devem cooperar e interagir dinamicamente para atingir os propósitos de Deus em nossos dias. Além disso, estamos mais interessados em ver como estas duas funções distintas se aplicam à vida e ao ministério da igreja como um todo do que em entender suas aplicações específicas aos homens e às mulheres individualmente. Se todos nós, homens e mulheres, fazemos parte da Noiva de Cristo, todos precisamos entender o papel da mulher no plano cósmico de Deus e começar a exercê-lo. Portanto, à medida que descrevemos o papel da mulher em contraste com o papel do homem, o leitor não deve relegar isto para as mulheres, e sim entender que aplica a todos nós como Noiva do Cordeiro.
O Povo de Israel e Moisés
Em nosso primeiro exemplo bíblico tomaremos o povo de Israel como representante da função feminina e Moisés como representante do aspecto masculino. Através de toda a Bíblia e mesmo na vida contemporânea, de modo geral o homem está mais ligado à execução de projetos e a mulher à comunhão e ao relacionamento (fonte de todos os projetos mais importantes).
Apesar de Deus ter falado com Abraão muitos anos antes (Gn 15.13,14), que Israel ficaria escravizado no Egito por quatrocentos anos, esse período passou sem que nada acontecesse (Êx 12.40,41). (Sobre o ponto de vista de Deus sobre o tempo leia o artigo de Christopher Walker sobre kairós e chronos publicado na IMPACTO nº 14.) Quando Deus dá uma promessa específica envolvendo tempo, ele sempre a cumpre mas não de uma forma automática ou pontual (de acordo com nossos critérios). Quando chega o tempo do cumprimento, são necessárias certas condições para que a palavra de Deus se cumpra. Nesse caso, ao completarem-se os quatrocentos anos preditos por Deus a Abraão, nem o povo nem Moisés estavam prontos.
Qual foi o fator que começou a desencadear este tremendo processo da libertação do povo de Israel do Egito? Moisés estava lá no deserto já fazia quarenta anos. Para ele seria apenas mais um dia semelhante aos outros; monótono, vigiando ovelhas no deserto. Todo mundo sabe sobre a sarça ardente e sobre o chamado dramático de Deus para Moisés, mas quantos sabem o que estava por trás disso?
Encontra-se em Êxodo 2.23-25: “…os filhos de Israel gemiam debaixo da servidão; pelo que clamaram, e subiu a Deus o seu clamor por causa dessa servidão. Então Deus, ouvindo-lhes os gemidos, lembrou-se do seu pacto com Abraão, com Isaque e com Jacó. E atentou Deus para os filhos de Israel; e Deus os conheceu.” E quando Deus começa a falar com Moisés na sarça ardente, ele afirma que o motivo que o levou a agir e a descer para falar com Moisés era o clamor do povo de Israel (Êx 3.7-9).
Portanto, é possível que o tempo se cumpra sem que haja uma ação da parte de Deus. E o que leva Deus a agir é o clamor do seu povo. Antes do libertador receber autorização e poder para executar sua tarefa, o coração de Deus tem de ser tocado. Ele não é apenas uma máquina que cumpre suas promessas automaticamente. Para agir, ele tem de ouvir o clamor, lembrar do seu pacto, atentar para seu povo e conhece-Io. Quando o coração de Deus é tocado por seu povo, então ele se levanta e envia os libertadores. Ficamos impressionados com as histórias dos homens que Deus levantou para livrar seu povo durante toda a história, mas faríamos bem em olhar por trás dos bastidores e ver o que aconteceu antes.
Ester e Mordecai
É no livro de Ester que encontramos o exemplo mais dramático de toda a Bíblia das funções distintas e interrelacionadas do homem e da mulher no plano de Deus. (Para uma abordagem mais completa leia o livreto “O Relacionamento entre a Igreja e a Obra conforme visto no Livro de Ester”.)
Através de todo o livro vemos como tema central o relacionamento entre Mordecai e Ester se desenvolvendo como uma estratégia divina para destruir os intentos de Sata- nás (simbolizado pelo ímpio Hamã). O que um podia fazer, o outro não podia. Se um falhasse, o outro também falharia. Foi pela orientação sábia de Mordecai que Ester chegou à mais alta posição no império reservada para uma mulher. E depois de chegar lá, se não fosse pela exortação profética de Mordecai, ela jamais teria arriscado tudo, até a própria vida, em intercessão diante do rei em favor do povo de Deus. Por outro lado, embora Mordecai pudesse manter o testemunho de Deus através de não se curvar diante de Hamã, ele não podia fazer nada para impedir o plano diabólico de Hamã de destruir Israel. Somente a rainha Ester podia mover o coração do rei em favor do seu povo.
No final, vemos um resumo maravilhoso das duas funções quando “naquele mesmo dia deu o rei Assuero (figura de Deus como rei soberano sobre o universo) à rainha Ester (figura da igreja gloriosa) a casa de Hamã (o reino de Satanás)… O rei tirou o seu anel que ele havia tomado a Hamã (símbolo da autoridade de Deus sobre a criação), e o deu a Mordecai (figura dos apóstolos e profetas). E Ester encarregou Mordecai da casa de Hamã” (Et 8.1,2).
Portanto, Satanás só poderá ser vencido e o reino de Deus introduzido neste mundo perdido, se redescobrirmos as funções distintas de Ester e Mordecai, da mulher e do homem no plano de Deus. Os ministérios proféticos e apostólicos devem edificar a igreja e prepará-la para os desafios dos últimos dias, mas somente a igreja poderá mover o coração de Deus através de intercessão apaixonada. É para a igreja que Deus entregará as chaves do reino de Satanás em resposta à sua posição de intimidade com ele e por ter achado graça aos seus olhos, mas em seguida a igreja entregará esta autoridade aos apóstolos e profetas para executar o serviço de destronar Satanás e implantar o reino de Deus.
Mais uma vez vemos confirmado o princípio de que para o homem (os ministérios) executar os projetos de Deus, a mulher (a igreja) tem de primeiro tocar no coração de Deus através de comunhão e relacionamento com ele.
Maria e Marta
Neste caso temos Maria representando o aspecto feminino e Marta o masculino. (Lembre-se de que não estamos nos referindo aos papéis do homem e da mulher na vida diária e sim no seu aspecto figurativo em relação à igreja e ao plano de Deus na história.)
Este é um drama de duas cenas. Na primeira (Lc 10.38-42), vemos Maria sentada aos pés de Jesus, ouvindo suas palavras, e Marta agitada com o serviço da casa. Uma está voltada ao relacionamento e a outra ao serviço. Como mencionamos no início, estamos identificando a função masculina com o aspecto objetivo e pragmático de executar projetos e serviços e a função feminina com o aspecto subjetivo e emotivo de desenvolver relacionamento e comunhão. Nesta primeira cena, vemos Marta querendo convencer Jesus a forçar sua irmã a entrar no mesmo ativismo em que ela se encontra. Jesus responde dizendo que Maria escolheu a boa parte que não lhe seria tirada. Descobrimos aqui novamente a prioridade do relacionamento sobre o serviço. Somente saberemos como fazer o serviço adequadamente, ou até mesmo se é preciso fazê-lo, se dermos primeiro lugar ao relacionamento.
Na segunda cena (Jo 11.1-44), vemos a morte de Lázaro e os encontros de Jesus separadamente com as duas irmãs. Em toda a primeira parte do capítulo, fica bem claro que Jesus esperou propositalmente o tempo necessário para que Lázaro morresse, apesar de amá-lo, pois sabia que Deus queria ser glorificado através de sua ressurreição. Ao se encontrarem com Jesus as duas dizem a mesma coisa: “Senhor, se tu estiveras aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11.21,32). A diferença das duas e do relacionamento de Jesus com elas fica bem clara na reação diferenciada de Jesus a esta mesma pergunta.
Com Marta ele desenvolveu uma discussão teológica sobre a ressurreição, mostrando que ele é a ressurreição em pessoa e que não há diferença entre ele ressuscitar alguém agora ou no último dia. Em alguns momentos parece que Marta tem fé pois diz: “Mesmo agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá” (Jo 11.22) e afirma: “Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” (Jo 11.27).
Portanto, a discussão teológica foi importante, mas na hora “H”, quando Jesus pediu para retirarem a pedra da boca do sepulcro, Marta demonstrou que realmente não cria: “Senhor, já cheira mal, porque está morto há quatro dias” (Jo 11.39). Este é o problema com a maioria das discussões teológicas nas quais os homens adoram se envolver. É claro que é importante definir a verdade e distingui-la da mentira, mas na hora “H”, só a teologia certa não resolve. É necessário algo mais.
Com Maria, a reação de Jesus foi diferente. Apesar de ser Filho de Deus e de saber antecipadamente tudo o que aconteceria, ele não teve palavras para lhe responder. O problema dela não era teológico, mas emocional. Não adiantaria ficar dando explicações sobre o porquê da sua demora em vir ou sobre o seu propósito de ressuscitar Lázaro. Maria estava além do poder das palavras e das explicações lógicas. E quando Jesus a viu neste estado a chorar e os outros com ela a chorarem também, o texto diz que ele “comoveu-se em espírito, e perturbou-se” (Jo 11.33). Em seguida, pediu para ver onde o haviam posto e quando chegou lá encontramos uma das frases mais poderosas e re- veladoras da Bíblia: “Jesus chorou” (Jo 11.35). Deus encarnado chorou! O Todo-Poderoso e Onisciente Deus chorou! Existe algo além de teologia e além de serviço e projetos. Existe relacionamento e amor!
O plano de Deus continuava de pé bem como todas as verdades teológicas e todos os seus projetos na vida de Jesus e de Lázaro e suas irmãs. Mas por baixo e por detrás de tudo isto, existia algo mais forte, mais profundo e mais importante. Deus é amor! Ele não é um supercomputador ou uma filosófica “Causa Primordial”. Ele é uma pessoa que pode ser movida e tocada por outras pessoas. Sem perder sua soberania, ele consegue ficar triste com o que nos entristece e se alegrar com o que nos alegra. Ele tem prazer em compartilhar nossos sentimentos e emoções, sabendo que as amizades formadas neste nível formam ligações muito mais profundas e duradouras. Oxalá que nas igrejas hoje houvesse menos teólogos e mais amigos, menos conselheiros profissionais e mais pessoas genuínas prontas a admitir que não têm todas as respostas ou soluções e dispostas a sofrer juntas com as outras. Quantas vezes respondemos a situações angustiantes com chavões e fórmulas prontas ao invés de chorarmos com os que choram!
O perfil de Marta, cheia de praticidade e pragmatismo, cheia de boas obras e bons argumentos teológicos, é importante porém insuficiente. Precisamos aprender como ir além das palavras e das declarações da verdade para sentir os sentimentos de Deus e do mundo ao nosso redor. Precisamos aprender a nos deixar comover pelos sofrimentos alheios, porque é a partir daí que Deus começará a se manifestar ao mundo outra vez e o poder da ressurreição voltará a estar disponível na terra.
O texto continua dizendo: “Jesus, pois, comovendo-se outra vez, profundamente, foi ao sepulcro…” (Jo 11.38). A partir desse momento, o processo da ressurreição de Lázaro foi acionado. Ele mandou tirar a pedra contra as objeções de Marta. Orou, gritou para Lázaro sair e este obedeceu! Lembre- se o que falamos sobre o cumprimento dos propósitos de Deus. Deus tem propósitos tão definidos e claros que podem ser preditos, mas só podem ser cumpridos num contexto de relacionamento entre o homem e Deus. Jesus sabia que Lázaro seria ressuscitado mas não sabia como isto aconteceria. Ele não sabia que ficaria emocionado com o sofrimento de Maria e de seus amigos e que choraria. Não sabia a ordem dos encontros com as duas irmãs e o desenrolar dos acontecimentos. Apesar de ter certeza o tempo todo do desfecho final, ele se envolveu emocionalmente com o processo, com as reações das duas irmãs e com suas próprias reações. É isto que torna a vida com Deus tão emocionante!
Maria Madalena e os Apóstolos
Este é o nosso último e mais impactante exemplo. O relato da ressurreição que encontramos em João 20.1-18 ressalta em tons vividos o contraste entre a atitude de Maria Madalena e a dos apóstolos diante das primeiras evidências deste grande acontecimento. É marcante desde o início do texto a postura diferenciada de homens e mulheres logo após a morte do seu amado Mestre.
Para começar, enquanto os apóstolos dormiam (que outra coisa melhor poderiam fazer, uma vez que Jesus estava morto e só havia um cadáver no sepulcro?), de madrugada, ainda escuro, Maria Madalena foi ao sepulcro (de acordo com os relatos dos outros evangelhos, outras mulheres a acompanharam, mas João queria focalizar nossas atenções em Maria Madalena). O que ela foi fazer lá? Jesus já tinha morrido! Será que ela tinha mais fé que os apóstolos e queria verificar se ele havia ressuscitado? Não. Os evangelhos tornam bem claro que tanto as mulheres quanto os discípulos não esperavam a ressurreição (Lc 24.4,5). Ninguém tinha entendido as palavras de Jesus sobre este assunto. O propósito de Maria era ungir o corpo de Jesus com especiarias num último gesto de amor (Lc 24.1).
Vemos então que o que levou uma mulher a estar na posição estratégica para receber a maior revelação profética de todos os tempos não foi uma grande formação teológica e sim uma paixão cega, quase irracional, por Jesus. Durante todo o resto do texto, vemos a manifestação desta paixão na vida de Maria. Sua primeira reação ao ver que o sepulcro estava aberto e que o corpo de Jesus não estava mais lá foi de desespero! Correu para avisar Pedro e João e vemos nas suas palavras a angústia de não saber onde tinham ido parar os restos mortais do seu Senhor: “Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram” (Jo 20.2).
Pedro e João correram para o sepulcro e chegando lá verificaram detalhadamente a situação. Chegaram a notar a posição exata dos panos de linho e que o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus se encontrava enrolado cuidadosamente num lugar à parte, separado dos outros panos. Veja bem a atitude masculina, pragmática e científica. Estes detalhes são importantes pois servem como provas objetivas e concretas da ressurreição de Jesus. São fatos que podem fortalecer nossa fé. Mas o texto diz que mesmo diante destas evidências “ainda não entendiam a Escritura, que era necessário que ele ressurgisse dentre os mortos” (Jo 20.9).
O que fizeram em seguida? Voltaram para casa (Jo 20.10). O que mais poderiam fazer?
Mas Maria não se conformava. Para ela a opção de voltar para casa não existia. O problema dela não era teológico. Ela estava ferida de amor, profundamente angustiada.
“Maria, porém, estava em pé, diante do se- pulcro a chorar. Enquanto chorava, abaixou- se a olhar para dentro do sepulcro, e viu dois anjos vestidos de branco sentados onde jazera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. E perguntaram-lhe eles: Mulher, por que choras?
Respondeu-lhes: Porque tiraram o meu Senhor, e não sei onde o puseram” (Jo 20.11-13). Ela estava tão transtornada emocionalmente e preocupada com o destino do corpo de Jesus que nem a manifestação de dois anjos chamou sua atenção! Quantos de nós ignoraríamos o aparecimento de um anjo, quanto mais de dois? Ela só queria informação. Primeiro tinha recorrido aos apóstolos, mas não adiantara. Depois falou com os anjos e nem esperou resposta.
“Ao dizer isso, voltou-se para trás, e viu a Jesus ali em pé, mas não sabia que era Jesus” (Jo 20.14). Agora não reconhece o próprio Jesus! “Perguntou-lhe Jesus: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, julgando que fosse o jardineiro, respondeu-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o pu- seste e eu o levarei.” (Jo 20.15). Nem apóstolos, nem anjos, nem o próprio Jesus conseguiram acalmá-la! Ela queria uma coisa só: saber onde o corpo de Jesus estava e levá-lo consigo. A incredulidade dos apóstolos se manifestava numa certa tristeza, decepção e indiferença fria. A incredulidade de Maria numa paixão cega, angustiante e perturbadora.
Agora chegamos ao ponto climático do drama: “Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, virando-se, disse-lhe em hebraico: Raboni!”—que quer dizer, Mestre” (Jo 20.16). Simplesmente ao dizer o seu nome, Jesus conseguiu instantaneamente atravessar toda a sua cegueira e pela primeira vez um ser humano viu o Cristo ressurreto! Que momento cósmico! Que privilégio indescritível!
Antes de morrer, Jesus havia dito aos discípulos que ressuscitaria e que apareceria a eles na Galiléia (Mt 28.7,10,16; Mc 16.7). Apesar de Deus ser onisciente e saber tudo que acontecerá, sua maneira de agir é peculiar. Tudo indica que o plano não era aparecer a uma mulher primeiro e sim aos apóstolos, e não em Jerusalém mas na Galiléia. Mas as reações humanas podem produzir reações divinas e mudar o desenrolar do
“script”, não afetando, entretanto, o desfecho final. De fato, em João 21 vemos uma manifestação do Cristo ressurreto aos discípulos junto ao Mar da Galiléia, mas a causa parece ter sido uma recaída de Pedro ao tentar sair do ministério e voltar à pescaria. De qualquer forma, parece duvidoso que os discípulos iriam para Galiléia encontrar-se com Jesus como ele os havia instruído, pois nem acreditavam na sua ressurreição!
Mas o argumento mais forte para a mudança do roteiro planejado foi a atitude desesperada e inconsolável de Maria Madalena. Ela não se deixava ser confortada. Os anjos lhe perguntaram: Por que choras? e Jesus perguntou: Por que choras? mas ela não podia ser consolada. Diante de tal determinação e amor, Deus teve de mudar o roteiro e aparecer a ela! Deus tem planos, mas quem vai se interessar por esses planos a ponto de perder sono, perder interesse em discussões teológicas, projetos interessantes e visões de anjos e buscar com fome e sede insaciáveis simplesmente estar junto do seu Senhor e ouvir sua voz? Quando Deus encontra pessoas assim, ele as encaixa no seu drama, pois foi para conseguir esse tipo de amor e dedicação que ele criou o universo!
“Disse-lhe Jesus: Deixa de me tocar, porque ainda não subi ao Pai; mas vai a meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. E foi Maria Madalena anunciar aos discípulos: Vi o Senhor! — e que ele lhe dissera estas coisas” (Jo 20.17,18). Através desse encontro com o Cristo ressurreto, Maria tornou-se a primeira testemunha da ressurreição! Alguém disse que como “apóstolo” significa “enviado”, ela tornou-se uma “apóstola” para os “apóstolos”! Ela foi enviada pelo Cristo ressurreto para anunciar o evangelho aos apóstolos! Que honra! O único problema foi que eles não acreditaram! Ela anunciou mas seus ouvintes continuaram incrédulos! Dá para acreditar?! (Mc 16.9-14; Lc 24.10,11).
Conclusão
Temos enfatizado tanto neste artigo a importância da função da mulher de comunhão, amor e relacionamento e de tocar o coração de Deus que pode parecer a alguém que a função masculina não é importante, mas isto não é verdade. Apesar de Deus dar tanto valor à paixão e ao amor, ele nunca deixa de ser prático e de dar continuidade aos seus projetos na história. Apesar de Maria Madalena ter recebido esta honra de anunciar o evangelho aos apóstolos, ela jamais foi apóstolo nem ocupou lugar de honra ou autoridade na igreja. Apesar de muitas mulheres seguirem a Jesus e serem muito valorizadas por ele, ao escolher os doze apóstolos, ele limitou esta posição aos homens. Há um tipo especial de relacionamento, comunhão e companheirismo que surge no meio de um grupo de homens que muda com a presença de mulheres.
Como ressaltamos no início, até a volta de Jesus, precisamos manter bem clara a distinção entre os papéis do homem e os da mulher, para representar com fidelidade o grande mistério de Cristo e sua Igreja. Isto significa que a função de governo e autori- dadé foi dada primordialmente ao homem e a mulher deve ser sua cooperadora ou ajudante na tarefa de introduzir o reino de Deus na terra. Apesar de todas as falhas, imperfeições e cegueira dos doze, Jesus afirmou em João 17 que tinha cumprido seu propósito em vir ao mundo que era de revelar o nome do Pai aos seus discípulos (Jo 17.4,6,8,14). Aparentemente, antes do derramamento do Espírito no Pentecostes, constituíam uma turma bem instável e infantil e não dava para se perceber que esta obra de Jesus tinha de fato sido realizada. Mas quando Pedro se levantou com os onze no dia de Pentecostes, a obra de Jesus foi manifesta, e a igreja, firmada no fundamento dos apóstolos e profetas, cresceu e frutificou.
Com estas ressalvas, porém, voltamos a dizer que nestes dias do fim quando a Noiva precisa se preparar para casar-se com Jesus, todos nós, homens e mulheres, precisamos aprender a função de Maria de amar Jesus profundamente e manter uma comunhão íntima com ele —num nível além de palavras, doutrinas, experiências místicas, projetos e ativismo. Ainda que no nível terreno, Deus continuará reservando o ministério de apóstolo e profeta para os homens, existe um nível mais alto, aberto para todos, que é de ser sacerdote e entrar no santíssimo lugar e mover o coração de Deus. E é nesta fase de preparação da Noiva e nesta ênfase sacerdotal que a igreja está sendo chamada para entrar no Século XXI.
Haverá apóstolos e profetas novamente? Com certeza, mas somente como resultado de um ministério sacerdotal muito mais profundo, intenso e genuíno do que qualquer coisa que existe atualmente. Moisés e Mordecai só podem agir quando Israel e Ester entrarem diante do Rei e liberarem a sua autorização. Qualquer outra ênfase sobre títulos de apóstolo ou profeta, reuniões ministeriais, encontros e confraternizações de igrejas, certamente não prosperará até que o povo de Deus aprenda o caminho para o Santíssimo lugar.
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A Aliança de Deus
Deus fez uma aliança conosco. A palavra aliança significa “unir-se”. Deus quer se unir a nós. Em muitas passagens da Bíblia hebraica, vemos que ele nos defende dos nossos inimigos, nos protege dos perigos e nos guia para a liberdade. Deus é Deus-paro-nós.
Na vinda de Jesus, uma nova dimensão da aliança é revelada. Em Jesus, Deus nasce, amadurece, vive, sofre e morre como nós. Deus é Deus conosco.
Por fim, quando Jesus parte, ele promete o Espírito Santo, revelando a total profundidade da aliança. Deus quer estar tão dentro de nós quanto nossa respiração. Quer respirar em nós, de forma que tudo o que dizemos, pensamos e fazemos seja inteiramente inspirado por ele. Deus é Deus-em-nós. Assim, sua aliança revela-nos o quanto ele nos ama.
Henri Nouwen
Extraído do livro “Pão Para o Caminho”
Para adquirir, ligue: (19) 3462-9893