Por: James N. Jidov
Não é incomum encontrarmos nas Escrituras uma relação muito clara entre a justiça de Deus e sua indignação com a injustiça. Daniel faz referência a isso na sua oração:
“Ó Senhor, segundo todas as tuas justiças, aparte-se a tua ira e o teu furor da tua cidade de Jerusalém, do teu santo monte, porquanto, por causa dos nossos pecados e por causa das iniqüidades de nossos pais, se tornaram Jerusalém e o teu povo opróbrio para todos os que estão em redor de nós” (Daniel 9.16).
Deus expressa justa indignação com o pecado. Por que não deveria? Pecado e injustiça são as coisas que contaminaram e continuam a contaminar sua perfeita criação.
“O Senhor os arrancou, com ira, de sua terra, mas também com indignação e grande furor, e os lançou para outra terra, como hoje se vê” (Deuteronômio 29.28). “Sofrerei a ira do Senhor, porque pequei contra ele, até que julgue a minha causa e execute o meu direito; ele me tirará para a luz, e eu verei a sua justiça” (Miquéias 7.9).
No segundo capítulo de Romanos, lemos que Deus trata com ira e indignação aqueles “que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça” (Romanos 2.6-8). Sim, um Deus santo é perfeito quando expressa sua ira, e sua indignação, contra o pecado.
Veja comigo agora a frase em Daniel 9.16, onde diz: “segundo todas as tuas justiças”. Tudo que Deus faz é feito por amor ao seu nome e de acordo com sua justiça. Deus se indigna com aqueles que tentam frustrar seus atos de justiça. Que maravilhoso que se indigna! Do contrário, não seria Deus. Seria menos que perfeito.
Creio que podemos seguramente afirmar que “indignação justa” é um atributo santo de um Deus perfeito. Deus se indigna da injustiça como parte do seu caráter, aonde quer que a encontre, até mesmo nos seus filhos. É digno de nota que os profetas antigos das Escrituras freqüentemente eram conscientes e sensíveis da sua própria injustiça.
Já mencionamos Miquéias que confessou que sofreria a indignação do Senhor, por ter pecado contra ele.
Isaías também disse: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros” (Is 6.5). Jeremias escreveu: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). O profeta João Batista clamou em João 1.27: “O qual vem após mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias” (Jo 1.27). Depois, no capítulo 3, ele declara: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).
Matthew Henry escreve no seu Commentary on the Whole Bible (Comentário sobre a Bíblia Inteira): “Os mais aptos para serem usados por Deus são os que são pequenos aos seus próprios olhos, e que se tornaram profundamente sensíveis à sua própria fraqueza e indignidade” (Volume 4, página 40).
A maioria de nós tem um conceito muito limitado da santidade de Deus e da maldade do homem. Os profetas antigos eram sempre homens dotados por Deus que tinham uma visão muito mais clara da santidade de Deus do que o homem comum. Tinham um conceito muito grande de Deus, e um conceito muito pequeno de si mesmos.
O final de Daniel 9.16, citado acima, fala sobre o fato do povo de Deus ser um opróbrio para todos que estavam em redor. O pecado do povo de Deus, o pecado dentro do acampamento, fazia com que o povo, e até o próprio Deus, fossem vistos com reprovação, censura e desprezo pelas nações em redor deles. Os próprios filhos preciosos de Deus eram uma vergonha para ele!
Quando Daniel falou estas palavras, os judeus estavam no cativeiro em Babilônia, e estavam sendo severamente castigados pelo pecado. Eles sabiam que tinham transgredido a lei de Deus, e sabiam que este castigo era merecido. Reagiram ao sofrimento de maneira correta, pois no final se arrependeram dos seus caminhos pecaminosos, e procuraram voltar a Deus e ao seu estado original de comunhão com ele.
Em Lamentações 5.21, Jeremias orou em favor do povo: “Converte-nos a ti, Senhor, e seremos convertidos; renova os nossos dias como dantes.” Se a atitude de Daniel e Jeremias representavam a atitude do povo, e suas palavras a voz do povo, então podemos estar certos que o povo havia reagido favoravelmente à disciplina divina. Haviam pecado contra o Senhor, e as nações pagãs em redor estavam zombando, rindo e escarnecendo deles. Creio que os inimigos de Deus olhavam para o povo dele e diziam: “Que exemplos fracos são de um povo chamado povo de Deus! Veja, suas vidas não são diferentes das nossas! Vivem exatamente como nós!”
Mas depois, este povo conhecido como povo de Deus, confessou e se arrependeu de seus pecados (Lamentações 5.15-21). Reconheceram que haviam agido como aquelas nações que estavam zombando deles. Pareciam com o mundo, e agiam como o mundo. Era difícil distinguir entre eles e as nações ímpias ao seu redor. Mas finalmente reconheceram seu erro, e deixaram seus caminhos pecaminosos.
Um ponto chave é que o povo de Deus, os judeus, quando pecavam contra o Senhor, pareciam com o mundo e agiam como o mundo, mas na verdade não tinham intenção de copiar o mundo. Não sei de nenhuma evidência bíblica que indique que o povo de Deus daquela época tinha intenção deliberada de imitar a vida do povo ímpio em sua volta. Não estavam tentando copiar os caminhos dos pagãos. O uso da palavra “opróbrio” em Daniel 9.16 deixa isto claro. O fato que o povo de Deus era um opróbrio, e que os pagãos escarneciam deles e os censuravam, mostra que as nações gentias sabiam que os judeus estavam se comportando de maneira indevida, contrária ao seu estilo de vida anterior.
Os pagãos sabiam que era errado os filhos de Deus viverem como os pagãos. Diziam uns aos outros, e para os judeus, algo assim: “O quê? Vocês se consideram filhos do seu grande Deus? Como isso pode ser? Cada um de vocês se parece conosco!”
E o povo de Deus sabia que era verdade. Sabiam que seu pecado e desobediência os transformou numa nação semelhante aos pagãos que desprezavam.
Mas queriam mudar. O povo de Deus queria que o Senhor Deus Jeová os fizesse voltar para si mesmo. Viram o erro dos seus caminhos, e como era errado imitar aqueles que odiavam a Deus.
A Igreja Hoje
Venha comigo para os dias em que vivemos hoje. Proponho para você que grande parte da Igreja atual não só parece com o mundo e vive como o mundo em sua volta, mas incrivelmente, faz o maior esforço para se assemelhar cada vez mais. A Igreja tem intenção de ser visto como igual aos outros.
Hoje a aparência da Igreja como um todo é muito parecida com o mundo, e não é apenas por resultado do pecado e da desobediência como no caso de Israel. Sua semelhança com o mundo não aconteceu simplesmente como conseqüência imprevista ou alguma espécie de efeito colateral do pecado. O fato da Igreja como um todo estar espelhando o mundo não é nenhum acidente, nenhuma simples coincidência.
Uma grande parte da Igreja atual se esforçou intencionalmente a assumir uma aparência semelhante à do mundo, e tem conseguido. Esta semelhança foi seu objetivo consciente. Ela deseja parecer-se com o mundo. Planejou, arquitetou e almejou esta imagem. Ela não gostaria que o mundo a visse como diferente.
A Igreja hoje quer ouvir (e está ouvindo) o mundo dizer: “Sabe, vocês cristãos não são tão esquisitos, afinal. Para falar a verdade, nós até gostamos de vocês. Vocês não pregam mais por palavra ou ação que justiça e santidade e pureza de vida são algo tão importante. Conseguimos conviver bem com vocês. Vocês não nos incomodam mais como antes. Não desafiam nosso estilo de vida. De fato, em grande parte, vivem como nós. Sentimos bem com vocês!”
A. W. Tozer diz: “O elemento radical que anteriormente fazia o mundo odiar os cristãos está faltando no cristianismo evangélico hoje… Estamos muito ocupados provando ao mundo que podem usufruir de todos os benefícios do evangelho sem qualquer inconveniência à sua maneira normal de vida. É tudo isso, e o céu também” (Extraído de Keys to the Deeper Life, página 16).
Daniel intercedeu pelo povo de Deus da época dele, para que a “ira e o furor” de Deus fossem apartados, e que a opressão que estavam sofrendo fosse retirada, e que Deus usasse de misericórdia, dando-lhes alívio e libertação. Os filhos de Deus dos nossos dias nem provaram, creio eu, do “furor” ou da “ira” de um Senhor longânime que continua a reter sua mão de juízo de uma Igreja inacreditavelmente cega e carnal.
Como deveríamos orar para que o Senhor Deus Todo-poderoso abrisse os olhos da Igreja doente nesta hora, deste povo que sofre de um mal talvez mais traiçoeiro, mais prejudicial, do que qualquer outro que já sofreu na sua história! Assim como um camaleão, a Igreja há algumas décadas começou a mudar sua cor, bem devagarinho a princípio, mas com bastante sucesso, a fim de imitar a cor do mundo. Agora não há basicamente nenhuma diferença entre o mundo e a Igreja. A Igreja tornou-se uma réplica quase perfeita do mundo.
R. C. Sproul fez a seguinte observação: “De acordo com as pesquisas Gallup, a maioria dos cristãos atuais vive de acordo com convenções culturais e sociais, e não de acordo com a Lei de Deus. As porcentagens de evangélicos que fazem abortos são idênticas às dos não evangélicos. Não dá para saber a diferença entre um pagão e um cristão na nossa cultura, porque o fundamento dominante da nossa moralidade não resulta de meditação sincera na Lei de Deus, mas daquilo que é aceitável no nosso meio… o que é que a multidão está fazendo”.
Sim, imensas mudanças ocorreram na Igreja, e ela parece nem se dar conta disso. Está cega para seu grande pecado de comprometimento e mistura com o sistema do mundo. Nem percebeu a mudança de cor que ocorreu. Como o famoso sapo na panela de água que é aquecida paulatinamente, seu perigo cresce minuto por minuto, mas quase nem o percebe.
Oh, como devemos orar: “Oh, Deus, Deus… coloca a tua angústia no nosso coração em favor da Igreja, o teu povo! Tua palavra declara: ‘Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina’ (Pv 21.1). Senhor, inclina o coração do teu povo antes que tenha de exercer teu juízo sobre nós!”
Incrível como possa parecer, a maior necessidade da Igreja é orar pela própria Igreja. A Igreja contemporânea precisa desesperadamente ter seus olhos abertos pelo Espírito Santo do Deus Todo-poderoso. Aqueles que conseguem detectar esta praga que está solta entre nós devem levantar seus irmãos e irmãs diante do Trono de Deus, e suplicá-lo a abrir os olhos cegos, olhos que não podem mais ver que os métodos do mundo não devem ser imitados, mas evitados, não devem ser cobiçados mas desprezados. Devemos odiar a maldade dos ímpios – sim, odiar!
A Igreja de hoje está mantendo um “caso” ilícito com este mundo e com aqueles que não amam a Deus. Satanás marcou uma grande vitória sobre a Igreja contemporizadora nas últimas décadas. O Grande Enganador conseguiu nos seduzir para um relacionamento ilícito com seus próprios filhos. E aqueles cujas almas devemos amar, mas cujos estilos de vida devemos detestar, estão passando a ser nossos modelos, e seus princípios nossa base de vida.
A Igreja de Jesus Cristo, como aconteceu inúmeras vezes na história de Israel, apaixonou-se por aqueles que odeiam ao Senhor. Davi clamou: “Não aborreço eu, Senhor, os que te aborrecem? E não abomino os que contra ti se levantam? Aborreço-os com ódio consumado; para mim são inimigos de fato” (Salmos 139.21-22). E a pergunta que foi feita em 2 Crônicas 19.2: “Devias tu ajudar ao perverso e amar aqueles que aborrecem o Senhor?” Você sabe o que vem depois desta pergunta?
Veja a advertência que se seguiu: “Por isso, caiu sobre ti a ira da parte do Senhor.” O Senhor diz para seu povo: “Se escolherem amar os perversos, estejam preparados para que eu execute a minha ira contra vocês”.
Como a Igreja precisa levantar sua voz ao Deus Todo-poderoso, e clamar com Daniel: “Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo e as suas súplicas e sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o rosto, por amor do Senhor” (Daniel 9.17).