D.M. Panton
É impossível para o observador da Escritura contemplar a Igreja de Deus hoje sem um profundo alarme e até mesmo uma tristeza angustiante. Considere o espantoso abandono de confiança na Bíblia como a Palavra de Deus; o desrespeito com que se adota padrões mundanos na metodologia, na vida diária e até no coração; a multiplicação de divisões, invejas e disputas; as apostasias declaradas daqueles que antes pareciam ter convicções sólidas contra as quais aparentemente somos absolutamente impotentes; e, acima de tudo, nossa própria falha de reagir a tudo isso com o rosto no chão. Diante disso, começamos lentamente a entender as palavras de Jeremias quando clamou: “Ah, se a minha cabeça se tornasse em águas, e os meus olhos, numa fonte de lágrimas, para que eu chorasse de dia e de noite os mortos da filha do meu povo!” (Jr 9.1).
Do meio de tal cenário sombrio surge um dos privilégios mais extraordinários dos cristãos. O Espírito Santo já deu a chave. “Nem murmureis, como alguns deles murmuraram [o povo rebelde em Números 16.41] e foram destruídos pelo exterminador. Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa” (1 Co 10.10).
Pondere a cena que o Espírito Santo aqui apontou. Moisés é o mediador, apontando para Cristo (Hb 3.1-2). Arão é o sacerdote, assim como nós também o somos (Ap 1.6). O incenso é oração (Sl 141.2; Ap 5.8). Somos sacerdotes que saem totalmente limpos da bacia de bronze, com direito de usar o incenso e equipados para a intercessão que Deus deseja.
Quase todas as grandes orações da Bíblia são intercessões: Abraão por Sodoma; Moisés por Israel; Salomão pelo Templo; Daniel pelo cativeiro; nosso Senhor e Paulo pela Igreja.
A ação no episódio citado por Paulo começa com Deus; a Glória aparece na nuvem (Nm 16.42). “Enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está?” (Sl 42.3). Instintivamente, eles viram os rostos para a nuvem. Deus responde com a visão de fogo devorador.
Este é o terror purificador do qual a igreja moderna tanto precisa. Nós nos esquecemos da espada na boca de Cristo. Nos esquecemos que até sobre Jesus repousava o temor do Senhor (Is 11.2). A terrível certeza é que, mais cedo ou mais tarde, Deus será obrigado a disciplinar seu povo. A gloriosa certeza é que Deus está no Santo dos Santos, esperando por intercessões. “Então, falou o Senhor a Moisés, dizendo: Levantai-vos do meio desta congregação, e a consumirei num momento; então, [Moisés e Arão] se prostraram sobre o seu rosto” (Nm 16.44,45).
Note a graciosa maravilha disso tudo. O mediador direciona o sacerdote para se apressar e levar o incenso para dentro do santuário. “Disse Moisés a Arão: Toma o teu incensário, põe nele fogo do altar, deita incenso sobre ele, vai depressa à congregação e faze expiação por eles; porque grande indignação saiu de diante do Senhor; já começou a praga” (Nm 16.46).
Intercessão alcança o Trono de Juízo
Agora observe o resultado magnifico:
- “A praga cessou” (v. 50). O povo não se tornou mais digno, no entanto, a oração foi aceita. Dois homens salvaram mais de dois milhões de indivíduos. Os juízos de Deus podem realmente ser impedidos pela intercessão dos seus sacerdotes.
- Oração pode remover o pecado, bem como revogar a praga. “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5.15). É um fato surpreendente que a intercessão pode alcançar até mesmo o Trono de Juízo. “Na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram. Que isto não lhes seja posto em conta!” (2Tm 4.16; veja também 1.18).
- Invoque bênçãos sobre outros e veja como isso se reverterá em bênçãos sobre si mesmo (Tg 5.20). No capítulo seguinte, a vara de Arão floresce sozinha (Nm 17.8): ele e sua casa são feitos intercessores perpetuamente diante do Senhor (Nm 18.1,7).
Corações que intercedem
Foi o espírito da intercessão que produziu, num incidente muito relacionado, uma das ocorrências mais maravilhosas na história do mundo. “Com pestilência o ferirei e o deserdarei”, afirmou o Senhor, tamanha foi a apostasia do seu povo; “e farei de ti povo maior e mais forte do que este” (Nm 14.12). Nunca antes ou depois de Moisés tal proposta foi feita. E a proposta foi apresentada diretamente pelo próprio Deus.
Moisés nunca foi mais nobre ou mais parecido com Deus do que nessa crise suprema de sua vida. Ele que foi tentado tão duramente que perdeu a chance de entrar na terra santa devido às infidelidades deste mesmo povo, não quis nem considerar tal proposta. Ele nunca iria levantar uma casa ou um nome para si mesmo sobre as ruínas do povo de Deus. Seu único clamor foi: “Perdoa, pois, a iniquidade deste povo” (v.19). Oh, que os próprios pecados da igreja hoje e a ira de Deus possam agora despertar a mesma qualidade de intercessão divina e o mesmo calibre de intercessores do Getsêmani!
A porta da intercessão se mantém aberta. O coração de Deus é totalmente tomado por um enorme soluço pelo mundo perdido. Nosso coração também deveria se transformar num grande soluço pela igreja errante.
“Ó Senhor, a nós pertence o corar de vergonha… porque temos pecado contra ti. Ao Senhor, nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão… Inclina, ó Deus meu, os ouvidos e ouve… porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias. Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age; não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu!” (Dn 9.8-9, 18-19).