O deputado Carlos Alberto Bezerra e a candidata Marina Silva explicam o que é viver a mensagem de Jesus no controvertido mundo da política partidária brasileira
Por Ricardo Alexandre
Em um país onde apenas 25% das pessoas confiam nos partidos políticos (segundo medição do Ibope de agosto de 2013), e os casos de corrupção e fisiologismo brotam diariamente nos jornais, há espaço para viver a mensagem do Evangelho? No jogo político, é possível colocar os valores ensinados por Jesus acima de ideologias e interesses seculares? Para responder a essas e outras questões, a IMPACTO convidou dois dos políticos cristãos mais notórios do Brasil, que militam em campo ideológicos diferentes, opostos em vários pontos – mas que compartilham da mesma visão de reino.
O médico Carlos Alberto Bezerra, 45 anos, é deputado estadual (e candidato à reeleição pelo PSDB-SP), presidente da CPI do trabalho escravo e autor da nova lei paulista contra trabalho escravo, indicada pela Organização das Nações Unidas como referência mundial no assunto.
A ambientalista Marina Silva, 56 anos, foi senadora entre 2003 e 2011 e hoje, ligada ao PSB, concorre à vice-presidência da república na chapa com Eduardo Campos. Em 2007, foi apontada pelo jornal inglês The Guardian como uma das 50 pessoas que podem ajudar a salvar o planeta. Os melhores momentos das entrevistas você lê abaixo:
O que significa ser “sal e luz” no mundo da política?
Marina – Política é serviço. A visão republicana da política é servir ao bem comum. E a Bíblia orienta para que façamos isso com integridade, pois o sal evita a degradação, e com justiça, que é respeitar e defender direitos de todos. É defender o que traz luz para as trevas da injustiça. Às vezes, ser sal e luz significa nos posicionar em defesa dos interesses dos pobres, dos que não têm voz como os índios ou os negros, os que perambulam pelas ruas sem moradia. Às vezes, significa defender a integridade dos biomas, os “jardins” citados em Gênesis 2.15. Às vezes, é lutar por uma ideia mais do que por coisas práticas.
Bezerra – Dia desses, um político evangélico tentou justificar a entrevista que deu a uma revista erótica afirmando que estava sendo “luz nas trevas”. Discordo frontalmente dessa ideia. Penso que as trevas a serem iluminadas são as da pobreza, do abuso sexual de crianças, do desvio de dinheiro público, do trabalho escravo, da saúde pública, do uso predatório dos recursos do planeta, das várias violações aos direitos humanos. Não é esse testemunho que vemos na vida pública de homens como William Wilberforce e Nelson Mandela, por exemplo?
John Stott dizia que, enquanto a “luz” tem uma influência ativa, de ação, o “sal” tem influência reativa, de preservação de valores. Qual a opinião de vocês sobre o trabalho que os políticos cristãos têm feito para preservar o modelo tradicional de família – além de outras atitudes conservadoras?
Bezerra – Como evangélico, jamais vou aceitar qualquer tentativa de rebaixar nossos padrões morais ou de abafar nossa voz. Acho que temos uma contribuição a dar nessa temática e não podemos abrir mão de nosso papel profético no Brasil. Mas isso não se faz com bravatas nem estimulando a intolerância. Isso se faz por meio de nosso testemunho. Diz a Palavra, em Mateus: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. Ou seja, as nossas obras falam mais alto do que nossos pronunciamentos. “Pelos frutos vos conhecereis”, também diz Mateus.
Marina – O sal não só preserva o alimento como dá sabor. Os cristãos, não só os políticos, são chamados a viver de acordo com aquilo em que acreditam. Só assim é possível preservar nossos valores mais caros. No caso de quem milita na política, dada a visibilidade e a posição de autoridade que muitas vezes tem, a responsabilidade é muito grande – e não só quando se defende o modelo tradicional de família, como muitos cristãos pensam.
Bezerra – Sou a favor de termos firmeza na defesa do que acreditamos. Em assuntos como família, por exemplo, sou tradicional: casamento, para mim, é questão da igreja, não do Estado. No entanto, a representatividade que temos nos põe diante da chance histórica de apresentar não apenas o que somos contra, mas também o que somos a favor.
E somos a favor de quê? Os cristãos têm algo a propor politicamente ou apenas o reacionarismo?
Marina – A liberdade, por exemplo, é um valor cristão. As sociedades que foram salgadas pelo Evangelho normalmente experimentam mais liberdade. O respeito aos que pensam e vivem de forma diferente da nossa é uma realidade muito presente no Evangelho e isso de forma até revolucionária. O cristão que envereda pelo caminho da política precisa ter isso em mente.
Bezerra – A discrepância entre quantidade e qualidade em nosso meio denuncia a falta de uma agenda política profética e transformadora. É mau sinal quando estamos em descompasso com as demandas da viúva, do idoso, da pessoa com necessidades especiais. Igreja que se isola anda na contramão da sociedade e, ao invés de cair nas graças do povo como Atos 2, cai em desgraça.
Qual a opinião de vocês sobre a chamada bancada evangélica? Vocês se sentem parte dela?
Bezerra – Minha fé vale mais do que qualquer posição política, mas o que vejo nas bancadas religiosas não me parece reflexo dos princípios bíblicos. Não me coloco em condições de julgar, mas a verdade é que a contribuição evangélica na política precisa exceder o campo moral e a defesa de privilégios para impérios eclesiásticos.
Marina – Meu entendimento sobre a política como um serviço de natureza republicana e meus princípios pessoais, orientados pela fé que professo, me ensinam que devo procurar, nas ações políticas, o benefício de todas as pessoas, independentemente de suas diferenças políticas, socioculturais e religiosas. Para isso, procuro atuar sempre além dos contornos do saleiro.
E sobre manifestações evangélicas como a “Marcha para Jesus”, por exemplo, que são cada vez mais usadas como prova da representatividade política do eleitor evangélico?
Bezerra – É bom que manifestemos nossa fé publicamente. No discurso que fiz na ONU, há alguns meses, também quebrei o protocolo e fiz questão de reafirmar minha fé usando um texto de Amós [5.24] que fala de justiça. Mas penso que precisamos ir além. Essa marcha pode ser feita nas ruas sim, mas também pode, e deve, ser feita nos parlamentos, nos conselhos tutelares, nas associações de bairro, em nosso dia a dia no trabalho, no compromisso social que pregamos em nossos púlpitos etc. Sonho com o dia em que os cristãos do país farão marchas pelas mulheres vítimas de violência, pela erradicação da miséria, da exploração sexual de crianças e do trabalho escravo.
Marina – Ao longo de minha vida pública, tenho tido o cuidado de não fazer púlpitos de palanques e nem falar em palanques como se fossem púlpitos, por mais que essa mistura possa parecer pragmaticamente vantajosa em termos eleitorais. Se marcharmos para Jesus, num ato confessional, que esse não seja um ato com outro sentido utilitário. Precisa haver ética e respeito mútuo entre esses dois universos.
Como mudar a cultura segundo a qual a política é a arte da eterna troca de favores e interesses?
Marina – A experiência democrática, que em nosso país é recente, os debates eleitorais, a tecnologia da informação, a política pública de educação formando pessoas com clara noção de cidadania, o despertar da consciência de que a responsabilidade social não é só das empresas, instituições e partidos, mas também das pessoas, são processos que concorrem para que sejamos cada vez mais conscientes como cidadãos e tenhamos uma vida cívica cada vez mais densa, significativa e relevante.
Bezerra – Penso que essa evolução também está acontecendo aos poucos nas igrejas. Muitos dos chamados evangélicos que, anos atrás, se envolveram com corrupção hoje não têm mais seus mandados. Isso é um bom sintoma. Queremos saber sobre a fé deste ou daquele candidato ou candidata, porém, queremos também saber sobre o seu preparo, sobre sua experiência de vida e sobre o que ele ou ela já fizeram por nossa cidade, Estado ou país.
Que conselho vocês dariam aos jovens cristãos que se sentem chamados à vida pública?
Bezerra – Sou refratário àqueles que querem ingressar na política fazendo de Deus seu cabo eleitoral, no velho estilo “votem em mim, porque Deus mandou”. Um dos critérios mais básicos para se avaliar a vocação de alguém para a vida pública é sua folha de serviços prestados à comunidade. Aquele que quer liderar, que comece servindo, diz a Palavra. Diz um autor a quem respeito que quem não gosta de política é governado por quem gosta; e que, quando a maioria não gosta, é o fim da democracia. Por isso, vejo com bons olhos que mais e mais pessoas estejam percebendo que o Evangelho nos impulsiona para um engajamento na sociedade muito além das quatro paredes.
Marina – A Bíblia está cheia de exemplos de homens e mulheres tementes a Deus que pagaram elevado preço para fazer a diferença dentro dos palácios e cortes que representam o poder político: José, Daniel, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Isaías, Jeremias, Ester e até mesmo a menina escrava que serviu de bênção para a cura de seu senhor, o assírio Naamã (2 Reis 5). Sem dúvida, vale a pena, desde que tenhamos plena consciência de que somos seres impuros e habitamos no meio de um povo de impuros lábios, como disse o profeta Isaías antes de ser enviado (Is 6). É pela graça de Deus e não por nós mesmos que ficamos de pé. Deus com certeza continua perguntando: “A quem enviarei eu?”. Cabe a cada um, segundo sua vocação e chamado, dispor-se a pagar o preço de responder: “Eis me aqui, envia-me a mim”.