Por: Maurice Smith
Tenho uma sede quase insaciável pelas histórias das ações de Deus que normalmente chamamos de “avivamento”. Estou sempre garimpando por relatos originais de pessoas que estiveram presentes quando Deus “fendeu os céus e desceu”.
Numa dessas pesquisas, encontrei o livro de um missionário presbiteriano chamado William Newton Blair, que chegou à Coréia com sua esposa em 1901. Permaneceram trabalhando naquele país por 45 anos. No livro, Blair conta como, no inverno de 1907, reuniram-se, na Igreja Presbiteriana Central de Pyongyang, aproximadamente 1500 homens coreanos de várias partes do país para o estudo bíblico anual. Poucos meses antes, um pregador havia visitado a igreja, contando como o mover de Deus que começara no País de Gales (1904) e em Azusa, EUA (1906), estava se espalhando pelo mundo e acabara de chegar à Índia.
Reuniões diárias de oração foram iniciadas entre os cristãos coreanos durante o período do Natal e do fim do ano. A semana de estudos bíblicos começou no dia 2 de janeiro de 1907 e continuou sem qualquer acontecimento fora do normal, mas com um crescente senso de expectativa e a convicção de que Deus já estava agindo.
No sábado à noite, no final da primeira semana, começaram, conforme haviam planejado, uma série de reuniões noturnas como parte da Conferência Bíblica. A primeira reunião também transcorreu sem nada de especial.
“Nada de incomum aconteceu”, Blair escreveu. “Não estávamos procurando por algo incomum. Somente um silencioso mar de faces esperançosas e sérias e uma disposição generalizada de levantar a voz em oração evidenciavam a operação do Espírito em nosso meio. […] Fomos para casa naquela noite confiantes de que nossas orações estavam sendo ouvidas. Na noite do domingo seguinte, tivemos uma estranha experiência. Não havia vida na reunião. A igreja estava cheia, mas algo parecia bloquear tudo. Depois do sermão, algumas poucas orações formais foram feitas, e voltamos para casa cansados como se tivéssemos saído de uma competição física, conscientes de que o adversário estivera presente, aparentemente vitorioso.”
Mal podiam imaginar o que estava prestes a acontecer. A seguir, William Blair continua seu relato do Pentecostes Coreano:
Na segunda-feira, ao meio-dia, nós, missionários, nos reunimos e clamamos a Deus fervorosamente. Estávamos com forte encargo no nosso espírito e nos recusávamos a deixar Deus ir enquanto não nos abençoasse. Aquela noite foi muito diferente. Cada um sentiu, ao entrar na igreja, que o lugar estava cheio da presença de Deus. Não somente os missionários, mas os coreanos testificaram a mesma coisa. Eu estava presente uma vez em Wisconsin quando o Espírito de Deus caiu sobre um grupo de lenhadores e cada descrente na sala se levantou e pediu oração. Naquela noite em Pyongyang, o mesmo sentimento me sobreveio quando entrei na sala, um senso da proximidade de Deus, impossível de se descrever.
Depois de um breve sermão, o sr. Lee assumiu a reunião e abriu para orações. Tantos começaram a orar ao mesmo tempo que o sr. Lee disse: “Se quiserem orar assim, então que todos orem”. De fato, foi isso que aconteceu: todo o auditório começou a orar em voz alta, todos juntos. O efeito foi indescritível – não houve confusão, mas uma vasta harmonia de som e espírito, uma fusão de almas movidas por um irresistível impulso para orar. O som para mim era como a queda de muitas águas, um oceano de oração bombardeando o trono de Deus. Não eram muitas orações, mas apenas uma, nascida de um Espírito, que subia ao único Pai nos céus. Assim como, no dia de Pentecostes, eles estavam todos juntos em um lugar, orando unânimes, quando “de repente veio do céu um som como de um vento impetuoso e encheu toda a casa onde estavam assentados”.
Deus nem sempre está no redemoinho, nem fala todas as vezes por meio de um sussurro. Ele veio a nós, em Pyongyang, naquela noite, com o som de choro. Enquanto a oração prosseguia, um espírito de pesar e tristeza pelo pecado desceu sobre o auditório. Num canto, alguém começou a chorar, e, no mesmo instante, o auditório inteiro estava chorando.
O relato do sr. Lee, escrito na época do avivamento, descreve a história daquela noite melhor do que quaisquer outras palavras escritas posteriormente, por mais cuidadosas que fossem. “Um homem após o outro se erguia, confessava os seus pecados, desatava em choro e então se lançava ao chão e batia nele com seus punhos em grande agonia de convicção. Meu próprio cozinheiro tentou fazer uma confissão, desesperou-se no meio dela e gritou para mim do outro lado do salão: ‘Pastor, há alguma esperança para mim, posso eu ser perdoado?’. Depois, lançou-se ao chão, e chorou e chorou, e quase gritou em agonia. Às vezes, depois de uma confissão, todo o auditório desatava em oração audível e o efeito de ouvir centenas de homens orando juntos em voz alta era algo indescritível. Novamente, depois de outra confissão, desatavam em choro incontrolável – todos chorávamos juntos, pois era impossível deixar de fazê-lo. Assim a reunião prosseguiu até às duas da manhã, com confissão, e choro, e oração.”
Somente uns poucos missionários estavam presentes naquela noite de segunda-feira. Na terça pela manhã, o sr. Lee e eu fomos de casa em casa contando as boas notícias para todos os que estiveram ausentes (e para os nossos amigos metodistas da cidade). Ao meio-dia, toda a comunidade estrangeira se reuniu para render graças a Deus.
Eu gostaria de descrever a reunião de terça à noite em minhas próprias palavras porque uma parte do que aconteceu teve a ver comigo pessoalmente. Estávamos conscientes de que existia rancor entre vários dos nossos oficiais da igreja, especialmente entre o sr. Kang e o sr. Kim. O sr. Kang confessou o seu ódio pelo sr. Kim na segunda à noite, mas o sr. Kim ficou em silencio. Em nossa reunião de oração ao meio-dia, na terça, vários de nós concordamos em orar pelo sr. Kim. Eu estava especialmente interessado porque o sr. Kang era meu assistente na igreja de Pyongyang do Norte e o sr. Kim era um presbítero na igreja central e um dos oficiais na Associação de Homens de Pyongyang, da qual eu era presidente. Na medida em que a reunião avançava, eu podia ver o sr. Kim sentado com os presbíteros atrás do púlpito, com a sua cabeça abaixada. Curvando-me onde eu estava sentado, pedi a Deus para ajudá-lo e logo, erguendo os olhos, vi que estava vindo à frente.
Segurando o púlpito, ele fez sua confissão. “Tenho sido culpado de lutar contra Deus. Como presbítero na igreja, tenho sido culpado de odiar não somente a Kang You-moon, mas a Pang Mok-sa.” Pang Mok-sa era meu nome coreano.
Nunca tive uma surpresa maior em minha vida. Pensar que este homem, meu colega na Associação de Homens, estava me odiando sem que eu soubesse! Parece que eu havia dito algo a ele um dia, na correria de administrar uma excursão escolar no campo, que o tinha ofendido, e pelo qual não conseguia me perdoar.
Virando-se para mim, ele disse: “Você pode me perdoar? Você pode orar por mim?” Eu fiquei em pé e comecei a orar: “Aba-ge, Aba-ge” (“Pai, Pai”), e não conseguia passar desse ponto. Foi como se o telhado tivesse sido retirado do prédio e o Espírito de Deus descesse do céu numa poderosa avalanche de poder sobre nós. Eu caí ao lado de Kim e chorei e orei como nunca havia orado antes. Meu último vislumbre da audiência ficou indelevelmente gravado na minha mente. Alguns se lançavam estendidos sobre o chão, centenas estavam em pé com os braços estendidos ao céu. Ninguém se lembrava de quem estava ao seu lado. Cada um estava face a face com Deus. Eu ainda posso ouvir aquele terrível som de centenas de homens suplicando a Deus por vida, por misericórdia. O clamor subiu de tal maneira que o povo da cidade ficou consternado.
Assim que recuperamos nosso autocontrole, nós, missionários, nos reunimos na plataforma e consultamos: O que faremos? Se os deixarmos prosseguir assim, alguns se enlouquecerão. Contudo não ousamos interferir. Nós havíamos orado a Deus, pedindo um derramamento do seu Espírito sobre o povo, e realmente viera. Descendo, espalhamo-nos entre o povo, tentando confortar os mais abatidos, puxando os homens do chão e dizendo: “Não se preocupe, irmão, se você pecou, Deus vai perdoá-lo. Espere e lhe será dada uma oportunidade para falar”.
Finalmente, o sr. Lee puxou um hino e o silêncio foi restaurado durante o cântico. Foi então que teve início uma reunião tal qual nunca vi nada semelhante, nem gostaria de ver novamente a não ser que aos olhos de Deus fosse absolutamente necessário. Cada pecado que um ser humano é capaz de cometer foi publicamente confessado naquela noite. Pálidos e tremendo de emoção, em agonia de mente e corpo, indivíduos sob convicção foram sucessivamente ficando de pé como se estivessem no forte brilho do juízo final, vendo a si mesmos como Deus os via. Seus pecados se lhes revelavam em toda sua vileza até que a vergonha, a dor e o autodesprezo tomavam conta por completo; o orgulho era expulso, a opinião de homens esquecida.
Olhando para o céu, para Jesus a quem haviam traído, batiam em seus peitos e clamavam com amargo lamento: “Senhor, Senhor, não nos lances fora para sempre!” Todo o resto era esquecido, nada mais importava. O escárnio dos homens, a penalidade da lei, até a própria morte parecia de pouca importância se tão-somente Deus lhes perdoasse.
Cada um pode ter suas teorias a respeito da propriedade ou não da confissão pública de pecado. Eu já tive as minhas; agora, contudo, sei que quando o Espírito de Deus cai sobre corações culpados, haverá confissão, e nenhum poder na terra pode impedi-la.
A classe de Pyongyang terminou com a reunião de terça à noite. Os cristãos voltaram para seus lares no interior levando o fogo pentecostal com eles. Por todo lugar em que a história foi contada, o mesmo Espírito inflamou e espalhou as chamas até que praticamente cada igreja, não somente na Coréia do Norte, mas por toda a extensão da península, tivesse recebido sua parte da bênção. Em Pyongyang, reuniões especiais foram realizadas nas várias igrejas por mais de um mês. Mesmo as escolas tiveram de deixar de lado as lições por alguns dias enquanto as crianças choravam seus erros juntas.
O arrependimento de maneira alguma ficou restrito à confissão e às lágrimas. A paz era resultado da reparação, onde quer que a reparação fosse possível. Nós tivemos nossos corações rasgados vez após vez durante aqueles dias pela devolução de pequenos artigos e dinheiro que haviam sido roubados de nós através dos anos. Doía tanto vê-los sofrer! Por toda a cidade os homens iam de casa em casa, confessando a indivíduos que eles tinham prejudicado, devolvendo propriedades e dinheiro roubados, não somente aos cristãos, mas também aos de fora, até que toda a cidade ficou impressionada. Um comerciante chinês ficou atônito ao ver um cristão entrar e lhe pagar uma grande soma de dinheiro que havia obtido injustamente anos atrás.
Enquanto estava sentado à minha mesa, lendo esse relato das ações de Deus com pessoas exatamente iguais a mim e a você, tive uma profunda sensação de que o Espírito Santo estava falando. De repente, tempo e distância desapareceram, e ouvi o Espírito me perguntar: “É isso que você busca? É esse derramamento que deseja? Você está preparado para me receber nas minhas condições?” Sentado ali, chorei as lágrimas de alguém que encara a própria morte e que estranhamente a deseja, mais do que se ansiaria pela vida.
Hoje, fala-se muito sobre avivamento e, também, sobre igreja nos lares (células, grupos nas casas etc.). Grande parte do que falamos e fazemos nessas áreas assemelha-se mais a tentativas humanas de organizar um desfile completo com alimentação, música e entretenimento, na esperança de que Deus concorde em aparecer e liderar nosso espetáculo. Mas será que é esse realmente o coração de Deus? É isso que queremos que Deus faça? É isso que estamos esperando e aguardando ansiosamente, quando falamos de avivamento? Ou estamos dispostos a convidar Deus para “fender os céus e descer” e enviar o Espírito Santo nas condições dele, mesmo que o preço de tal visitação seja uma profunda e radical “morte para nós mesmos”? Desfiles são divertidos – a morte do eu não é.
E o que tudo isso tem a ver com a ênfase atual em igreja nos lares? Bill Beckham, um conhecido líder mundial do movimento de igrejas em células, fez uma observação muito profunda: “Você nunca muda uma estrutura enquanto não mudar os valores. Não podemos transplantar sistemas e estruturas. Só podemos transplantar valores e vida”. Amém!
Grande parte do que tenho visto e experimentado nesses movimentos até agora tem tocado apenas nas estruturas; temos experimentado metodologia ao invés de verdadeiramente nos imbuirmos de novos valores – ou seja, estamos repetindo a velha história de procurar novos odres sem possuir o requisito essencial do vinho novo. Conseqüentemente, os novos modelos não conseguirão durar muito tempo. Obsessão com “novidades” nunca sobrevive por muito tempo.
Quando olho para a “igreja nas casas” que surgiu em Atos 2.41-47, percebo que foi resultado do derramamento pentecostal do Espírito Santo no início do capítulo, que levou milhares de pessoas à nova fé em Cristo (assim como a explosão da igreja na Coréia foi simplesmente o produto do derramamento do Espírito Santo lá em 1907). O vinho novo de Atos 2.1-40 produziu os novos odres de Atos 2.41-47. É assim que funciona. Não no sentido inverso. Se não tomarmos cuidado, a ênfase de “igreja nos lares” ou “igreja em células” não passará de uma nova estrutura em busca de um valor, um odre procurando vinho. E isso seria desastroso.
Entretanto, creio que Deus tem outros planos. Como aqueles missionários presbiterianos e os cristãos coreanos em 1907, creio que estamos na véspera de um derramamento do Rio de Ezequiel 47 tal qual não se vê nem se experimenta há bem mais de 100 anos. E, como aconteceu com aqueles crentes primitivos em Atos 2, este é o valor que haverá de criar, preencher e guiar a estrutura da igreja por toda nossa geração e, provavelmente, uma parte da próxima.
Creio que o Espírito de Deus faz a mesma pergunta a você que fez a mim depois de ler o relato do Pentecostes Coreano: “É isso que você está buscando? É este o derramamento que deseja? Você está preparado para me receber nas minhas próprias condições?” Você está? Está preparado para abraçar a profunda e radical morte para si mesmo que essa visitação pode (e certamente vai) requerer? Está preparado para ver a igreja de que participa tornar-se um novo canal para que o Rio do Espírito de Deus possa fluir? Que as futuras gerações possam testemunhar de nós: “Eles dispuseram seus corações para se tornarem um canal para o Rio de Deus fluir… e como fluiu!”.
Maurice Smith é autor e implantador de igrejas nas casas nos Estados Unidos, onde dirige a Rede Parousia de Igrejas nas Casas (Parousia Network of House Churches). Outros artigos de sua autoria podem ser encontrados (em inglês) no seu site www.parousianetwork.org. Contatos: [email protected]. Trecho do artigo extraído do livro “O Pentecoste Coreano”, William Blair e Bruce Hunt, Editora Cultura Cristã, 1998.
Uma resposta
Impactante e incentivador.