Seria impossível tratar adequadamente em duas ou três páginas uma questão tão polêmica para os cristãos como o divórcio e novo casamento. Não tanto pelo número de textos bíblicos que tratam do assunto – pois são poucos –, mas pelas diversas interpretações e complexas argumentações que se fazem em cima dos textos.
Ao ler os sete ou oito textos na Bíblia que falam explicitamente sobre o assunto, o leitor leigo provavelmente perguntará: como é possível encontrar base para tantas interpretações diferentes nestas poucas passagens?
Para tentar simplificar tamanha complexidade, estamos oferecendo a seguinte síntese dos principais pontos de controvérsia.
1. A palavra usada por Jesus em Mateus 19.9, na expressão conhecida por “cláusula de exceção” (a não ser por causa de relações sexuais ilícitas). No grego, a palavra é porneia, que tem um significado bem mais abrangente (incluindo toda espécie de perversão e desvio sexual) do que a palavra moicheia, especificamente adultério.
Interpretação A: Aceita-se a palavra porneia no seu sentido mais amplo e, portanto, a exceção que justificaria o divórcio e novo casamento incluiria toda espécie de infidelidade sexual.
Interpretação B: Aceita-se a palavra porneia num sentido mais restrito, de impureza antes do casamento, como perda de virgindade, o que justificaria apenas anular o casamento assim que tal fato viesse à luz. Adultério e infidelidade não seriam bases para novo casamento.
2. Só Mateus registrou a exceção.
Interpretação A: A exceção simplesmente não foi registrada pelos outros evangelistas. É ajuntando os quatro evangelhos que podemos entender a verdade completa. Não há conflito; só é necessário acrescentar a exceção à regra geral enunciada em Marcos e Lucas.
Interpretação B: A norma sobre divórcio se encontra nos relatos de Marcos e Lucas. A exceção de Mateus, que foi escrito para os judeus, foi incluída apenas para mostrar que não há conflito entre o evangelho e a lei. Seria uma exceção somente no caso de impureza antes do casamento, descoberta logo após o casamento. Só assim é que não haveria conflito entre as versões de Marcos e Lucas e a de Mateus.
3. O fato de os discípulos terem reagido de forma tão assustada em Mateus 19.10: “Se essa é a condição…, não convém casar”.
Interpretação A: Foi uma reação por causa da prática liberal prevalecente na época, em que o divórcio era comum, sem muitas restrições. Ainda que Jesus tenha permitido o divórcio por causa de adultério, era uma exceção muito mais restrita do que a norma a que estavam acostumados.
Interpretação B: Jesus estava dizendo que não havia mais base para divórcio e novo casamento, mesmo no caso de adultério. Por isso os discípulos estranharam tanto.
4. A cláusula de exceção permite o divórcio, ou separação; porém não fala nada a respeito de novo casamento.
Interpretação A: Os judeus já tinham uma cláusula de exceção na lei de Moisés, que incluía o novo casamento. O novo casamento estava implícito no assunto de divórcio. Por isso, quando Jesus falou de uma exceção, não precisava mencionar o novo casamento.
Interpretação B: A afirmação categórica em Marcos e Lucas não possui exceção. Se alguém casar de novo, depois de separado, comete adultério; se alguém se casar com quem foi divorciado, mesmo que seja a pessoa inocente, comete adultério. A exceção não muda isso.
5. “Se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos não fica sujeito à servidão, nem o irmão, nem a irmã” (1 Co 7.15).
Interpretação A: O que significa não ficar em servidão? Ser obrigado a ficar sozinho? Não, significa que, nesse caso, está livre para se casar novamente.
Interpretação B: O cônjuge cristão não fica sujeito à servidão no sentido de se sentir obrigado a trazer o cônjuge descrente de volta. Mas não há liberação para casar-se novamente.
6. O caso de pessoas que já estão em um segundo casamento quando se convertem.
Interpretação A: A regra é permanecer no estado em que foi chamado (1 Co 7.20). Não adianta tentar consertar um erro passado através de outro (rompendo outra aliança, deixando filhos com pais separados). No entanto é preciso arrepender-se de atitudes e erros do passado, sim. Mesmo que um casamento anterior não possa ser restaurado, é possível reconhecer as atitudes que causaram seu fracasso e arrepender-se delas.
Interpretação B: O texto de Lucas 16.18 (ou Marcos 10.10-12) diz claramente que quem está em um segundo casamento está em adultério. Não é um caso a ser perdoado. Você precisa abandonar a vida de pecado, o que significa romper o casamento. Seria como um ladrão que se recusa a fazer restituição do que roubou, depois da sua conversão.