Por Pedro Arruda
Quando definimos a oração apenas como “falar com Deus”, somos induzidos ao equívoco de pensar que a iniciativa de orar parte do homem, e que cabe a Deus responder agindo em favor do suplicante. Dessa maneira, a oração restringe-se a um instrumento para satisfazer as necessidades humanas ainda que variando de forma: a sós, fechado num aposento, em reunião com outros, em jejum, sobre montes, nas madrugadas, em vigílias e campanhas.
Toda essa movimentação tem a conotação de pressionar Deus como refém de nossa interpretação das promessas bíblicas, enquanto sentimos certo merecimento por fazermos a nossa parte. Achando isso justo e piedoso, assinamos as orações reivindicatórias com a fórmula bíblica “em nome de Jesus” quando, na verdade, trata-se de nossas próprias intenções.
À medida que ocorre amadurecimento espiritual, a definição “falar com Deus” deveria ser complementada com “ouvir Deus”, transformando a oração num “diálogo com Deus”, no qual primeiro o ouvimos e depois lhe respondemos, reconhecendo como dele tanto a iniciativa quanto a pauta de assuntos. É Deus quem “puxa a conversa”, e nós, como pessoas educadas, devemos responder-lhe conforme ouvimos. Ao invés de cobrarmos uma resposta de Deus, a oração deve ser nossa resposta à sua vontade que nos foi comunicada.
De quem é a iniciativa?
Há um princípio básico que distingue o cristianismo das religiões: a revelação de que a iniciativa sempre parte de Deus. Não é o homem que vai até Deus; nem o aprimoramento da meditação, do desenvolvimento intelectual, do flagelo ascético do corpo ou de qualquer outra prática jamais servirá de meio para se chegar a Deus. É sempre Deus que vem ao encontro do homem, cabendo a este somente recebê-lo. Esse princípio aplica-se também à oração, e compreendê-lo faz toda a diferença em sua qualidade.
Por considerarmos que a iniciativa de orar é nossa, vestimos uma roupagem de piedade e julgamo-nos no direito de estabelecer a pauta. Essa atitude torna a igreja refém da agenda humana como se fosse uma agência para atender às necessidades pessoais em primeiro lugar. Com isso, até a salvação passa a ser considerada uma questão de interesse absolutamente humano no sentido de livrar-se do inferno, relegando o reino de Deus ao segundo plano. Usar a oração apenas para obter sucesso nas diversas áreas desta vida é tentar equiparar-se àqueles que já o alcançaram sem a ajuda de Deus.
Foi Deus quem criou o sistema de oração com o objetivo de integrar o homem em seu governo, e é ele que mantém a iniciativa na prática desse sistema. Por meio da oração, Deus nos torna parceiros dele na execução de seu plano, treinando-nos em sua vontade para reinarmos com Cristo na eternidade, sem, com isso, implicar redução ou limitação de seu poder. Embora lhe fosse muito mais fácil fazer tudo sozinho, exatamente pelo fato de ser todo-poderoso é que ele pode escolher a maneira mais difícil e demorada: realizar tudo junto com o homem, sem jamais passar por cima desse princípio. Assim, fica evidente que a oração tem a finalidade de efetivar a parceria que Deus estabeleceu com o homem para que sua vontade possa realmente prevalecer.
No tocante às leis naturais, como o nascer do sol a cada manhã, não é necessário orar, pois Deus já as estabeleceu. Já o milagre que contraria a lei natural, como parar o tempo, só ocorre mediante a oração. No que diz respeito ao homem em sua relação com o governo de Deus, os acontecimentos sempre estarão vinculados à oração ou à falta dela.
Se entendermos que é Deus quem nos chama à oração, procuraremos ouvi-lo e interagir com ele a partir dos assuntos e da prioridade dele. Nossas orações passarão a ter características ministeriais e não só de piedade pessoal.
O foco da oração
Deus nos convoca a orar porque procura alguém que se coloque na brecha a favor de sua vontade – que é de exercer misericórdia e evitar juízo (Ez 22.30). Às vezes, chega a provocar-nos à oração, como fez com Moisés ao anunciar-lhe, depois do episódio com o bezerro de ouro, que destruiria o povo (Êx 32.9,10). Porém, Moisés, que conhecia os caminhos do Senhor, nada mais fez do que, em oração, apregoar a vontade de Deus.
Jesus destacou a vontade de Deus quando ensinou sobre oração: “Pai … venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como [já é feita] no céu” (ênfase acrescentada). Devemos pedir a vinda do reino de Deus como o lugar em que será realizada a vontade do Rei, a qual, de acordo com Paulo, é boa, agradável e perfeita para nós (Rm 12.2). João escreveu que Deus nos atenderá se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade (1 Jo 5.14). Nesse sentido, o ex-ceguinho deu uma lição aos sacerdotes quando lhes disse que “Deus não ouve a pecadores, mas se alguém faz a sua vontade a esse ele atende” (Jo 9.31, ênfase acrescentada).
Para se agir em nome de alguém, é necessário ter uma procuração que confere direitos ao procurador para tratar dos interesses de quem lhe deu a procuração. Jamais o procurador poderá usar seus poderes para interesses pessoais, pois isso seria uma usurpação. É sob essa condição que devemos considerar o ensinamento de Jesus que diz: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”; e “Tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei” (Mt 18.20, Jo 14.13).
Só é legítimo usarmos o nome de Jesus para tratarmos dos interesses dele. Ora, tudo, absolutamente tudo o que Jesus fez ou deixou de fazer estava exatamente em conformidade com a vontade do Pai. Por acaso, agora, ele faria alguma coisa em desacordo com ela só porque uma, duas, três ou uma multidão de pessoas estariam citando seu nome nos pedidos?
Modelo da Igreja Primitiva
A oração está muito mais relacionada com a vontade de Deus do que com as nossas necessidades. Nesse sentido, vemos o exemplo dos apóstolos em Jerusalém (At 6.1-7) que não permitiram que a necessidade de atender às viúvas helenistas ultrapassasse a importância da oração. Ter prevenido uma possível divisão na igreja, naquela ocasião, já poderia ser considerado lucro, mas Deus fez abundantemente mais do que se podia imaginar. Como a vontade dele é boa, agradável e perfeita, a decisão agradou a toda a comunidade e gerou um acréscimo de pessoas que aderiram à fé; dentre elas, muitos sacerdotes. Ao demonstrarem que reconheciam a importância de buscar o Reino de Deus em primeiro lugar, obtiveram, como resultado, o acréscimo de outras coisas.
Tudo isso foi resultado da decisão dos apóstolos de perseverarem na oração e no ministério da Palavra, pois tal vinculação ministerial proporciona a realização do diálogo entre Deus e o homem. Daniel demonstrou o mesmo princípio quando entendeu, por meio dos escritos de Jeremias, que o cativeiro babilônico estava por findar e o momento da liberdade estava chegando. Foi isso que o motivou a conversar com Deus sobre a concretização da vontade dele naquela etapa da História.
Outro exemplo de oração pode ser visto em Atos 4.29,30. Pedro e João, depois de açoitados, retornaram à igreja, que levantou um clamor pedindo ousadia para anunciar a palavra e sinais e maravilhas sobrenaturais para confirmá-la – exatamente os fatores que haviam causado a recente prisão e o sofrimento dos dois apóstolos. Isso demonstra a preocupação da igreja primitiva com o avanço do propósito de Deus. Do contrário, teriam pedido misericórdia e livramento para si, como provavelmente faríamos hoje em circunstâncias semelhantes.
Oração com conhecimento
A primeira relação que podemos estabelecer entre oração e a vontade de Deus é que é a vontade de Deus que oremos. Aprende-se a orar, orando. Jesus foi insistente para que orássemos com perseverança até a realização: bater até abrir, procurar até achar, pedir até receber. Lucas dá testemunho de que a igreja de Jerusalém perseverava em oração. Paulo foi tão impregnado dessa atitude que a expressou como “orar sem cessar” e insistia para que os cristãos tivessem conhecimento da vontade de Deus, revelação, inteligência espiritual, compreensão do mistério; só assim, conseguiriam orar corretamente e liberar a ação de Deus.. O próprio Espírito Santo nos auxilia a orarmos convenientemente, intercedendo por nós com gemidos inexprimíveis.
O sucesso da oração está em conhecer a vontade de Deus – o que só é possível se ele a revelar. Além disso, não há como conhecer a vontade de Deus sem conhecer o próprio Deus, pois não se trata de conhecimento acadêmico de um objeto, mas de alguém, e isso requer relacionamento.
Deus escolheu Abraão e começou a revelar-se a ele. A certa altura, fez-lhe uma visita e foi tão bem recebido que se sentiu constrangido a não lhe omitir que pretendia destruir a cidade de Sodoma. “Ocultarei eu ao meu amigo…?” Essa revelação levou Abraão a interceder em favor de seu sobrinho Ló. Nessa mesma perspectiva, Jesus disse que não nos chamaria de servos, mas de amigos, porque o servo não sabe o que se passa na casa de seu senhor. Logo, ele quer contar-nos os planos na expectativa de que, como amigos, possamos interagir neles, começando pela oração.
Não é necessário ter comunhão para orar de maneira convencional, usando um monólogo expositivo de assuntos de interesse próprio. Qualquer pessoa pode fazer isso. Contudo, para se praticar a verdadeira oração nascida em Deus, a comunhão é imprescindível, pois é dela que vem o conhecimento de sua vontade. Evidentemente, é impossível conhecer a vontade de Deus em sua totalidade, mas, com certeza, ele nos revelará o suficiente para orarmos em sintonia com ela.
Como Daniel, precisamos atentar para a fase em que se encontra o desenrolar do plano de Deus atualmente, pois isso é determinante à nossa oração. Ora, o principal evento diante de nós é a volta de Jesus. Para que isso aconteça, a Igreja deve estar pronta tal qual uma noiva para seu noivo. Se direcionarmos a oração para a preparação da Igreja, Deus passará a revelar-nos detalhes pertinentes a esse acontecimento para compor nossa agenda de oração.
Jesus não retornará para uma ou outra pessoa isoladamente, mas para a sua Igreja. Portanto, não bastam orações individuais e isoladas, fruto da revelação limitada de cada um. É preciso que todos se conscientizem da necessidade de orar e buscar, em comunhão, a revelação mais completa da vontade de Deus. A prática coletiva dessa compreensão resultará em oração ministerial e na maturidade desejada por Deus e que todos nós devemos almejar.
Somente uma igreja que pratica a comunhão estará habilitada a conhecer a revelação de Deus e, como tal, praticar a oração que atende a seus propósitos. A comunhão e a oração nos habilitarão ao governo eterno desde já.