3 de novembro de 2024

Ler é sagrado!

Série “Natureza da Igreja” – Parte II – Alianças e Vínculos: Ambiente Essencial para Deus Agir

Por Paulo Manzini

Nota da Redação: Este artigo é uma sequência da matéria de capa “O Princípio Ativo da Igreja”, publicada na edição anterior, nº 60.

Temos aprendido um pouco sobre a natureza de Deus e seu modo de trabalhar na Terra. Já vimos que ele não se move onde não exista unidade, amor e harmonia no espírito. Onde Deus estiver operando, certamente haverá a formação de vínculos entre pessoas, ligações que servirão como meios para ele realizar sua vontade na Terra.

Poderíamos arriscar dizer que esses relacionamentos constituem a célula mater do Corpo de Cristo. Ouvi, de um irmão, uma frase muito esclarecedora a respeito disso: “O coração do Reino de Deus na Terra é a Igreja, o coração da Igreja são as células de relacionamento, mas o coração dos pequenos grupos são os relacionamentos e vínculos entre um irmão e outro”.

O nome desse fenômeno é aliança. Deus sempre trabalhou, ao longo da História, por meio de alianças; tanto entre ele e os homens quanto entre as pessoas. Aliança é um comprometimento que inclui vínculos estáveis, independentes do desempenho das partes ou do prejuízo que haverá de um ou de ambos os lados.

Vamos observar dois exemplos clássicos de aliança que tiveram grande repercussão na história do povo de Deus; a primeira entre duas mulheres, Rute e Noemi, e a outra entre dois homens, Jônatas e Davi.

Rute e Noemi

Rute era uma moabita que não fazia parte do povo judeu, uma estranha que se tornou parte da genealogia de Jesus.

Disse, porém, Rute: (…) aonde quer que fores, irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu, e aí serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti (Rt 1.16-17).

Rute não tinha nenhuma obrigação de voltar para Belém com a sogra; no entanto, percebeu que estava inapelavelmente ligada àquela mulher de quem fora nora. Ela agora se lhe tornara como uma irmã, alguém de quem não poderia e não deveria separar-se. Foi um gesto de fidelidade, aparentemente sem nenhuma vantagem para si mesma, que ligou seu destino a uma mulher viúva e sem futuro. Rute dispôs-se a perder em favor de um relacionamento que, certamente, ela não entendia; somente sentia que não deveria separar-se da amiga.

Como sabemos, o resultado foi que ela veio a ser remida, como era costume na terra, por um rico parente de Noemi, Boaz, que a tomou por mulher e com ela gerou um filho que foi o avô do rei Davi. Havia, no vínculo que se estabeleceu entre aquelas duas mulheres, como resultado da percepção de Rute, um potencial de repercussão eterna e significativa para o propósito de Deus na Terra – o estabelecimento do trono de Davi e a vinda do Messias, por meio de sua descendência, 2 mil anos mais tarde. Prestemos atenção, pois esse é um dos métodos de Deus para implantar sua vontade na Terra.

Jônatas e Davi

Com Jônatas e Davi, algo parecido aconteceu como vemos claramente no texto de 1 Samuel 18.1,3:

Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma. Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma.

Jônatas também não podia explicar o súbito amor que fora despertado em sua alma por aquele jovem que iria subir ao trono ao qual ele, Jônatas, tinha direito. Viu-se entregando suas vestes e armas, símbolos de sua linhagem e poder, e, depois, com grande prejuízo pessoal, salvando a vida do amigo e companheiro para que este viesse, auxiliado por tal gesto, a ocupar o trono, o lugar onde Deus o queria.

Necessidade de identificar vínculos criados por Deus

Podemos entender que vínculos e alianças são métodos que Deus usa para realizar seus desígnios. É certo que temos pouca compreensão a respeito de alianças, pois fomos educados para vencer e sempre buscar vantagens pessoais. A aliança, porém, leva-nos a considerar os outros superiores a nós mesmos, a andar por caminhos que não escolheríamos e a ter prejuízos pessoais por entendermos que é indispensável para o cumprimento do propósito de Deus em nossa vida.

Tenho uma firme convicção de que Deus nos dá algumas pessoas, ao longo da nossa vida, e, evidentemente, também nos dá a elas. Aprender a identificar o significado desses relacionamentos na vida pessoal e no propósito do Pai é fundamental para o desenvolvimento da obra de Deus e para nossa participação nela.

Se Deus nos der sensibilidade para identificar, como Rute e Jônatas, esses vínculos que já existem entre nós, como filhos de Deus e membros do Corpo de Cristo, certamente passaremos a organizar nossa vida, nosso trabalho e nosso lugar de residência de forma a alimentar e fortalecer esses relacionamentos pela comunhão que gere projetos e nos envolva com o eterno propósito de Deus. Alianças não são humanas; nascem no coração de Deus.

Tenho significativas reservas a respeito de homens e mulheres que não dependem de ninguém para realizar seu ministério, que andam sozinhos e sempre sabem o que Deus quer deles. Evidentemente, é mais fácil andar só visto que, quando andamos com outros, sempre temos dissabores e contrariedades por precisar ceder em nossas convicções e percepções pessoais ou por sermos obrigados a aceitar um ritmo mais lento do que se o fizéssemos sozinhos, sem consultar ninguém. Há uma frase antológica que diz: “Quem anda sozinho vai mais rápido, mas nem sempre vai mais longe”.

Historicamente, temos demonstrado enorme facilidade em separar-nos de pessoas por não concordarmos com elas, utilizando, para isso, argumentos muito espirituais e até baseados nas Escrituras. Ter razão sobre divergências tem sido nosso grande argumento, mas o fato é que acabamos por perder aqueles que nos foram dados por Deus para que cumpríssemos o propósito dele em nossa vida.

Por que há poder e autoridade em alianças de unidade de espírito?

Assim como os peixes se movem e existem somente na água, e nós, seres humanos, só existimos e nos movemos no oxigênio, assim também união, relacionamentos e vínculos de aliança compõem o meio de existência e manifestação para as coisas celestiais. Foi contra a harmonia gloriosa, plenamente manifesta no Céu onde Deus está, que Lúcifer atentou. Ele dividiu e sujou o Céu e, por isso, foi expulso de lá. Cristo teve de morrer justamente para purificar “as coisas do céu”, não só as da terra, de acordo com Hebreus 9.23. Nada proveniente de Deus pode ser estabelecido onde não há ambiente de união e aliança.

Pois onde há inveja e sentimento faccioso, aí há confusão e toda espécie de coisas ruins (Tg 3.16).

Se nosso coração voltar-se para Deus, ele nos ligará, de modo irremediável e maravilhoso, a todos os irmãos – e, de forma especial, a alguns para podermos ser tudo o que ele tem planejado para nós e para seu Reino.

Síntese da natureza das alianças:

a) Deus é quem as promove; nós apenas podemos reconhecê-las e concordar com ele;

b) dependem de corações humildes, mansos e longânimos (Ef 4.2);

c) surgem porque pessoas nos são dadas por Deus para cumprirmos seu propósito; é na unidade de coração que ele encontra ambiente para atuar;

d) não existem sem quebrantamento, pois implicam em renúncia de vantagens de ambos os lados – o amor causa sérios prejuízos para a carne;

e) sem verdadeira conversão, não há quebrantamento; podemos entender, portanto, que corações verdadeiramente convertidos terão, como fruto, intenso desejo de compartilhar e de doar-se.

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