21 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Série “Preparando a Família” – Parte IV – Paternidade Abraâmica

Paternidade Abraâmica – A Família na Origem do Povo Escolhido

Por: Pedro Arruda

Quando Deus chamou Abrão, fez-lhe uma tríplice promessa de bênção: pessoal (“abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”), nacional (“de ti farei uma grande nação”) e universal (“em ti serão benditas todas as famílias da terra”). Reiterou, portanto, a universalidade das ordens dadas a Adão e a Noé: “… tenha ele domínio […] sobre toda a terra” e “… enchei a terra”.

Nas duas ocasiões anteriores, a estratégia era povoar a Terra a partir de uma família matricial, enquanto, com Abrão, era alcançar as famílias já formadas. Portanto, a instrumentalidade da família para se obter a amplitude universal persiste no plano de Deus (Gn 12.1-3; 1.26-28; 9.1).

Em paralelo à jornada objetiva, físico-geográfica que empreendeu para se deslocar de Ur até Canaã, Abrão iniciou outra jornada, subjetiva e interior, para ser transformado de um caldeu idólatra (Js 24.2) no pai da fé. Muito embora a trajetória exterior nos chame mais a atenção, em função dos inúmeros elementos nela contidos, ela representava a parte mais simples do desafio; para compreendê-la, basta utilizar um simples mapa. Por outro lado, era fundamental, pois serviu para prover subsídios para a jornada do coração. Até mesmo o filho e a terra prometidos por Deus, que serviram de motivação inicial para Abrão sair de sua terra, tiveram mais relação com a transformação interior do que com a jornada física.

Ao escolher Abrão, Deus tinha em mente forjá-lo como modelo de pai para todas as gerações posteriores. Como numa peça teatral, Abrão demonstraria o papel de Deus como Pai, sendo que outros atores entrariam na sequência com papéis e funções diferentes. Entretanto, antes de ser pai, Abrão precisou primeiro aprender a ser marido.

A primeira condição que um homem deve apresentar para mostrar que está preparado para ser marido é a maturidade de deixar pai e mãe a fim de seguir seu próprio caminho. Embora Deus tivesse chamado apenas Abrão, ele, ao sair de sua terra, levou consigo o pai Terá e o sobrinho Ló. Os familiares, aparentemente, estavam sob seus cuidados. Entretanto, como o pai representava segurança no presente, e o sobrinho, o investimento para a segurança no futuro, seria necessário ainda deixar ambos, assim como já deixara o restante de sua parentela.

Após a morte de Terá, Abrão teve seu primeiro teste como marido diante do faraó – e foi reprovado. Pedagogicamente, Deus usa da graça e interfere para que faraó não faça o mal maior e ainda valorize Abrão para que ele perceba o quanto Deus o valoriza. Devido à expansão dos rebanhos, Abrão é obrigado a abrir mão da companhia de Ló, ficando a sós com Sara. Mais tarde, cai em outro extremo e deixa-se conduzir pelo conselho de Sara a coabitar com Agar, vindo assim a gerar Ismael. Depois disso, repete com Abimeleque a mesma falha que havia cometido com faraó, e por ele é exortado diretamente.

Finalmente, nasce-lhe Isaque por meio de Sara, que solicita a despedida de Ismael e Agar, ao que Abraão (que significa pai de multidões – nome concedido por Deus pouco antes do nascimento de Isaque) só atende depois da interferência divina. Agora, separado de todos, Abraão estava apto a cumprir seu papel de marido de Sara e pai de Isaque.

Porém, o patriarca não fora chamado para ser um pai qualquer, mas o pai da fé para exemplo a muitos filhos que decidissem seguir o mesmo caminho. Por isso, Deus pede Isaque em sacrifício. Com tudo o que havia ocorrido até então, Abraão aprendera a conhecer a fidelidade de Deus que tudo provê. Decidido, cumpriu o sacrifício solicitado, crendo que Deus era poderoso para ressuscitar Isaque dentre os mortos. Essa disposição mostra que sua obediência se baseava na fé de que Isaque fazia parte dos planos de Deus, a quem o filho pertencia em primeiro lugar. Apenas no último momento, o anjo o detém, dizendo que Abraão acabara de provar que amava Deus acima de todas as coisas.

Esse drama de Isaque é, no limite, uma sombra do sacrifício de Jesus. Isaque é substituído por um cordeiro que toma seu lugar na morte sacrificial. Jesus, por ser o Cordeiro, morre no lugar do homem. Olhando a sequência da história, vemos o enredo completo: Abraão, como foi dito, representa Deus Pai; Isaque, seu filho, representa Jesus que irá casar-se com Rebeca, que faz o papel da Igreja. Por isso, formam o único casal monogâmico dentre os patriarcas da nação. O Espírito Santo também é representado pelo servo, designado por Abraão para buscar Rebeca dentre sua parentela.

Para poder executar o objetivo prometido, de abençoar todas as famílias da Terra, Deus precisou organizar, primeiramente, a própria família de Abraão, ajustando-a aos conceitos divinos. Nessa caminhada, à medida que Abraão passa a desempenhar o papel de marido e pai, Deus propicia também que Sara descubra seu espaço para agir como esposa e mãe, citada como exemplo por Pedro (1 Pe 3.1-6) e como mulher de fé na carta aos hebreus (Hb 11.11). Esse ambiente permitia que Isaque se tornasse filho exemplar de obediência.

Não teria outra forma de Deus usar Abraão para abençoar todas as famílias da Terra a não ser fazendo dele, em primeiro lugar, um modelo de pai. Como na cultura judaica o conhecimento está diretamente ligado à experiência, não podemos imaginar que Abraão pudesse ser um mero exemplo teórico de pai. Era necessário aprender, na vida prática, a ser filho de Deus e a conhecê-lo como Pai a fim de poder exercer a paternidade e formar uma família. Vemos, então, que a fé precisa ter aplicabilidade prática a partir da própria família.

Se considerarmos que somos descendentes espirituais de Abraão, ou seja, nascemos de Deus por meio da mesma fé que ele teve, também devemos considerá-lo como modelo na relação com Deus para a organização de nossa família, para que esta seja assim objeto da terceira dimensão da bênção original dada a Abraão, incluída entre as famílias abençoadas de toda a Terra. Nossa família só será alcançada pela bênção iniciada em Abraão à medida que aceitarmos o seu modelo familiar e agirmos de maneira coerente com ele.

A jornada subjetiva de Abraão é marcada por ocorrências que Deus aproveita como experiências pedagógicas da graça, como um Pai ensina o filho. Cada episódio significava uma mudança de caráter, e Deus lhe dirigia a palavra, usando-a como veículo para levar a fé ao seu coração, como um comprimido que leva o princípio ativo de um remédio. À medida que Abraão se distanciava, no tempo e no espaço, de sua terra e de sua parentela, ele se aproximava mais de Deus. O Abrão do início da jornada era provavelmente um idólatra que ainda não sabia direito quem era o Deus a quem seguia. Contudo, o Abraão do final da jornada sabia que era filho de Deus e estava capacitado a ser o pai da fé de maneira exemplar (Js 24.2-3).

Quando sua jornada objetiva chegou ao final, já na terra prometida com o filho da promessa, era como se Deus lhe dissesse: “Pronto, Abraão, chegamos!” Isso seria motivo de satisfação a qualquer pessoa, mas Abraão parece lamentar-se porque a caminhada em companhia do Senhor estava ficando cada vez mais agradável. A jornada físico-geográfica se encerrara, mas a subjetiva continuou. É surpreendente ver Abraão se antecipando à visão de Apocalipse 22, aguardando a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e construtor – ou seja, a nova Jerusalém que descerá dos céus. Notemos que Abraão não esperava ir até a cidade, mas sim, que a cidade fosse até ele (Hb 11.9-10; 13.14).

A grandeza da jornada de Abrão não estava em seu deslocamento de Ur até Canaã, mas em sua transformação de idólatra no pai da fé. Isso, ele obteve à medida que aprendia de Deus como cuidar de sua família, exercendo a paternidade que o Senhor esperava dele.

Num passado muito próximo, vários ministérios individuais foram levantados para fazer a obra de Deus, aos quais a igreja de hoje é devedora. Contudo, quando se trata da constituição do Corpo de Cristo como prerrogativa à volta de Jesus, sabemos que os ministérios de destaque individual precisarão dar lugar aos ministérios coletivos e ser por estes superados. Para isso, não basta apenas juntar um grupo de pessoas com ministério para formar uma unidade interdependente, mas considerar, antes de tudo, que não se pode prescindir da família. Afinal, sem a restauração da família ao modelo de Deus, não poderá haver a restauração da Igreja, nem de todas as demais coisas que Jesus preconizou (Mt 17.11).

A falta de paternidade adequada dificulta, e até mesmo inviabiliza, que os outros membros da família desempenhem os papéis que lhes são próprios. Por outro lado, a presença paterna oferece segurança para que toda a família viva de maneira organizada e cada um desenvolva com eficiência a sua função. É bem provável que não valorizemos a função da paternidade porque não experimentamos Deus como Pai, o que, por sua vez, torna mais difícil aceitarmos a irmandade que isso implica. Portanto, é na família que se forja a igreja que se encontrará com o Senhor.

Muitos servos de Deus, no passado, tiveram fé para sinais e maravilhas, e outros levantaram imensas obras não obstante o desprezo à família. É hora de os filhos de Abraão fazerem as obras de seu pai, assumindo com fé a restauração da paternidade e da família. Ora, vem Senhor Jesus!

Pedro Arruda faz parte do Conselho Editorial da Revista Impacto, e é um dos coordenadores de uma comunhão de grupos espalhados por várias cidades e estados do Brasil. Ele reside em Barueri-SP, é casado com Clélia e tem três filhos casados.

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