Por: Liza Fels
Eram meados de dezembro de 93.
Lá estava eu em um quarto bastante aquecido em uma casa de amigos em Stutgart, na Alemanha. Lá fora nevava, mas dentro do quarto parecia pegar fogo…
Eu estava orando, na verdade estava tendo uma discussão séria com o patrocinador de minha viagem. Há seis meses longe do Brasil, havia terminado minha viagem missionária pela Europa para levantar recursos para sustentar uma missão com crianças de rua no Rio de Janeiro. Tudo havia saído melhor do que as expectativas, exceto um detalhe: apesar de ter completado a jornada (de acordo com “minha” avaliação), não conseguia passagem de volta para passar o Natal com meus familiares no Brasil.
Estava furiosa: orei, jejuei, repreendi as forças malignas que me impediam de retornar. Enfim, entreguei-me à exaustão, abri as janelas e deixei o ar gelado refrescar o ambiente. Meu patrocinador estava paciente, longânimo – aguardando os meus ânimos esfriarem.
Foi quando, quase em um sussurro, perguntei: “Terminei a ‘minha’ jornada aqui, levantamos recursos financeiros, obreiros para o trabalho no Brasil… Agora, quanto à tua jornada, à tua missão para a minha vida aqui neste lugar – está completa?”
Ufa, que alívio! Sabe aquela sensação de tirar “uma tonelada” das costas? A resposta veio de imediato.
Alguém bateu à porta, mas ainda insisti em não querer atender, visto que precisava ouvir a resposta de meu patrocinador. Tudo bem, tudo bem!
Levantei-me do chão e ao abrir a porta, era minha amiga hospedeira com um convite inusitado: “Liza, meu irmão viaja com uma equipe de alemães para a Índia dentro de 15 dias e gostaria que você fosse junto – eles irão financiar toda a viagem. Lembrei-me que você havia compartilhado que seu sonho desde a infância era de visitar a Índia – aqui está a sua realização!”
Uau! Nem preciso dizer que aquela sensação de desmaio e nocaute martelou-me instantaneamente. Disse a ela que precisava somente de alguns minutos. Fechada a porta, uma paz tão grande inundou meu coração e lá estava meu patrocinador – meu Pai – sorrindo. Foi então que pude entender claramente suas palavras: “É Liza, a ‘minha’ jornada para você ainda não terminou. Vamos lá?”
Os próximos dias foram de muita correria para conseguir o visto para entrar na Índia. Chegaríamos lá no Natal e não sabia ainda exatamente que cidades nem exatamente que lugares visitaríamos. Ganhei dois livros sobre a cultura e costumes do povo indiano, e enquanto os devorava, pensava sobre o que me esperava por lá…
Posso dizer que os dois primeiros dias foram chocantes para mim e para os 23 alemães da equipe. Apesar de ter lido e assistido tantas matérias sobre a miséria na Índia, nada se compara ao choque “ao vivo e a cores”. Com certeza, o guia levou-nos a visitar belíssimas mesquitas, templos hindus, Taj Mahal – mas o contraste com a miséria do povo era forte e marcante. Tomei conhecimento do roteiro de nossa viagem, que seria de trem, barco, aviões tipo “teco-teco” e, é claro, camelos e elefantes. Visitaríamos cidade após cidade e… pararíamos em Calcutá para um breve encontro com Madre Teresa.
Mais uma vez a sensação de nocaute invadiu meu ser, pedi licença ao guia para não prosseguir com o grupo aquele dia e permaneci no hotel. Na “minha” cabeça tudo estava claro agora – esta era A MISSÃO. Encontrar-me com Madre Teresa, para quê? – para evangelizá-la!
Jejuei e intercedi todo aquele dia. Assisti a um filme mental que as lembranças lançaram à minha mente: minha infância marcada pela tradição católica de minha família, a perseguição aos parentes que tornaram-se crentes em Jesus, até à minha conversão aos 9 anos e barreiras que enfrentei com a tradição familiar. Não preciso dizer que estas lembranças formaram em mim um preconceito muito forte com relação ao catolicismo.
No quarto do hotel, em oração e jejum, com sinceridade, clamei por sabedoria para evangelizar uma mulher que dedicara sua vida a cuidar dos pobres, mas que, ao meu entendimento, não fora liberta do catolicismo e por isso não seria salva ao morrer. Em meu ímpeto juvenil escrevi e reescrevi várias frases sobre como poderia alcançar aquele coração em uma única oportunidade.
No final do dia fiquei sabendo que o encontro com Madre Teresa seria de apenas 15 minutos, e que somente alguns teriam a oportunidade de fazer apenas uma pergunta. Não preciso dizer que passei a noite praticamente acordada escrevendo e reescrevendo uma pergunta bastante objetiva que levasse Madre Teresa a refletir sobre sua salvação.
No dia seguinte, lembro-me que visitamos vários de seus orfanatos e abrigos em toda a cidade, mas consigo lembrar-me de poucos detalhes, pois todo o meu pensamento e concentração estavam voltados para aquele encontro. Naquela tarde, ao entrar em uma sala pequena para acomodar todos nós – 25 turistas mais o guia – ansiosa, avistei uma mulher pequena, talvez um pouco mais baixa que eu (menos que 1.55), cabeça um pouco inclinada para o chão mas à altura suficiente de fitar os olhos de todos nós assentados. Semblante suave e respostas curtas às longas perguntas “técnicas” que faziam sobre o seu trabalho social.
Meu coração acelerava como um cavalo indomável dentro de mim, buscando forças para apresentar uma pergunta sábia. Lá fui eu, creio que a pergunta foi mais ou menos assim: “Querida senhora, a senhora tem certeza de sua salvação? Tem certeza que irá partir para o céu e morar com Jesus?”
(Misericórdia, você deve estar rindo da pergunta, ou do tempo que levei para formulá-la…) Então veio a resposta, que sinceramente não consigo transcrever palavra por palavra, mas que foi nesta direção: “Minha filha, vejo que és jovem… (pausadamente olhava meus olhos e voltava a olhar para o chão). Sabe, eu quero muito passar a eternidade com meu Senhor, mas no momento não consigo pensar no céu vendo o meu próximo vivendo em miséria. Estou preocupada com a salvação deles… para onde eles irão?”
Desta vez não tive uma sensação de desmaio ou nocaute – fui literalmente nocauteada para o resto de minha vida. Senti-me como Saulo a caminho de Damasco, tombada de meu cavalo, sendo que ao invés de ficar cega, permaneci em silêncio os próximos 15 dias de viagem! Todo o meu preconceito a respeito de irmãos que ainda permanecem no sistema do catolicismo e todo o meu conceito de evangelho mudou radicalmente. Entrei naquela sala convicta a evangelizar Madre Teresa e fui eu quem saí evangelizada, impactada pelo evangelho do amor ao próximo, pelo evangelho aos pobres.
Por favor, entenda-me bem, não abracei o ecumenismo ou a salvação por obras. Madre Teresa, até os últimos dias de sua vida, não realizou caridade para ser salva ou ser alguém ou algo melhor. Madre Teresa viveu o amor de Cristo ao próximo e, creio eu, aproximou-se mais de nosso Senhor e Mestre Jesus.
Voltei para o Brasil radiante com a jornada que meu patrocinador, meu Pai Celeste, havia preparado para mim. E mais ainda… que aquele breve encontro com uma serva de Jesus em Calcutá era somente o início de uma longa estrada a percorrer.
Liza Fels reside no Rio de Janeiro, e faz parte da Comunidade Evangélica Cristã de Irajá.
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• À época de Jesus, as pessoas que o viam como seu salvador político ficavam confusas com a maneira como ele escolhia suas companhias. Ele ficou conhecido como amigo dos cobradores de impostos, um grupo obviamente identificado com os exploradores estrangeiros. Embora denunciasse o sistema religioso de sua época, ele tratou com respeito um líder como Nicodemos, e, embora advertisse contra os perigos do dinheiro e da violência, ele demonstrou amor e compaixão por um jovem governante rico e por um centurião romano.
Enfim, Jesus honrava a dignidade de cada pessoa, quer concordasse com ela quer não. Qualquer um, mesmo uma estrangeira que já tivera cinco maridos ou um ladrão pregado numa cruz, seria bem-vindo ao seu reino. As pessoas eram mais importantes do que qualquer categoria ou rótulo.
• Como é difícil lembrar de que o reino de Deus me conclama a amar a mulher que acabou de se submeter a um aborto clínico (e até mesmo o seu médico), a pessoa promíscua que está morrendo de AIDS e o latifundiário rico que explora a criação de Deus. Se eu não for capaz de demonstrar amor por estas pessoas, preciso perguntar, então, se compreendi o Evangelho de Jesus.
• Um movimento (político ou religioso) por natureza estabelece limites, faz distinções, emite julgamentos; por outro lado, o amor de Jesus ultrapassa os limites, transcende as distinções e distribui graças. Se o meu ativismo repelir este amor, traio o seu reino.
• Pregamos o “ódio pelo pecado e o amor pelo pecador”, mas até que ponto praticamos este princípio? Com muita freqüência, os pecadores sentem o desamor de uma igreja que, por sua vez, continua a alterar sua definição de pecado – precisamente o oposto do padrão de Jesus.
Extraído de “Encontrando Deus nos Lugares Mais Inesperados” de Philip Yancey
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