Por: Pedro Arruda
É positivo ver a importância central da Bíblia no ambiente cristão. Porém, ao atribuirmos um valor sacro absoluto a esse livro, podemos ter a impressão de que todo seu conteúdo é igualmente sacro e composto exclusivamente pelas palavras de Deus, quando, na realidade, os homens e até mesmo Satanás ocupam parte do espaço.
Talvez, por considerarmos a plena sacralidade da Bíblia, nosso discernimento é prejudicado, e, inconscientemente, atribuímos semelhante sacralidade aos homens que participaram da sua história, o que nos leva a sentir uma ponta de decepção quando lemos sobre fatos e atitudes negativas desses nossos heróis. Se fosse nossa a tarefa de escrever essas histórias, certamente não contaríamos seus fracassos e pecados. Contudo, por ser um livro escrito sob a soberania de Deus, tais deslizes foram incluídos a fim de que aprendêssemos a separar o humano do divino.
Outra razão mais sutil para atribuirmos essa divinização aos homens da Bíblia é a distância entre o testemunho deles e o nosso devido à baixa qualidade do nosso. Por isso, tomamos emprestado o testemunho deles para alicerçar nossa fé e divulgar os feitos de Deus.
Unidade na Igreja – Antes ou Após a Volta de Jesus?
Na oração de Jesus, registrada por João, encontramos dois grupos de pessoas aos quais ele se refere como “estes” e “aqueles” e que, juntos, tornam-se “todos” e “eles” do ponto de vista daquela época. “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.20,21).
Conclui-se, então, que, se a unidade serve de sinal para que as pessoas creiam, logo ela ocorrerá no tempo e no espaço deste mundo, não meramente como unidade metafísica de uma igreja invisível, celestial e futurista. A unidade é algo para aqui e agora, exeqüível para Deus, ainda que a classifiquemos como milagre. Ao situar a unidade como possibilidade restrita à vida futura, desativa-se a fé no cumprimento presente da oração de Jesus.
Outro argumento que desloca a unidade prometida para o futuro é apontar para as pessoas que continuam vindo a Cristo, até hoje, apesar de uma igreja dividida; cada conversão atual parece funcionar como mais uma confirmação disso (inclusive a minha e a sua), pois, se dependesse do testemunho de unidade da igreja de nossa geração, todos nós estaríamos perdidos!
Onde Está o Testemunho da Nossa Geração?
É aqui que entra o que chamo de testemunho emprestado. Não fosse a pregação dos primeiros cristãos e os efeitos que causou, não haveria igreja hoje; e isso só aconteceu devido à experiência de unidade que tiveram naquela época. Tal experiência foi tão intensa que valeu por eles (os “estes” de Jesus) e por nós, até os tempos atuais (os “aqueles” de Jesus). Com certeza absoluta, a nossa fé está muito mais baseada no relacionamento de Deus com os primeiros cristãos do que entre Deus e os cristãos atuais, tanto do ponto de vista geral quanto pessoal. Por isso, usamos tanto as expressões “Deus de Abraão, de Isaque e Jacó”, “Deus de Paulo”, “Deus de Pedro” etc.
Isso ocorre pelo fato de o nosso testemunho estar muito aquém do testemunho apostólico. Na igreja primitiva, os cristãos tinham a palavra viva e não apenas um livro chamado Bíblia. Hoje precisamos dessa mesma palavra reavivada para que as pessoas identifiquem em nós a mesma qualidade de vida apostólica.
Por fim, quando “estes” e “aqueles” se fizerem “eles”, ou seja, quando ambos se tornarem um – no mesmo plano –, há de cumprir-se a unidade que fará novamente com que “o mundo creia”. Quando isso acontecer, o testemunho dos primeiros cristãos será coadjuvante ao testemunho da geração atual, e, assim, seremos um com Jesus a ponto de o Espírito Santo poder continuar a escrever a Bíblia, se quiser, inserindo personagens dos dias de hoje.
Por ora, ficam as perguntas: até quando nos fundamentaremos em testemunhos emprestados, ainda que bíblicos, devido à palidez do nosso? Quando a nossa unidade será compatível com a dos primeiros cristãos, e o nosso próprio testemunho, suficiente para que o mundo creia? E, inevitavelmente, quando será restaurada a comunhão?
Abramos os olhos, pois a falta de unidade retarda a volta de Jesus.