Por: Jamê Nobre
Vivemos numa época de muitas vozes e muitas informações. Somos inundados por notícias com tal magnitude e tal quantidade que não conseguimos processar o conteúdo da maior parte delas, e na maioria das vezes perdemos a essência daquilo que realmente é importante. Com isso, não atinamos para as conseqüências de alguns destes fatos em nossas vidas particulares.
Por exemplo, o ocorrido em Nova York, no dia 11 de setembro, para muitas pessoas foi algo distante, sem efeitos práticos na vida cotidiana. Para quem não viaja, as mudanças nos aeroportos, em termos de segurança, não foram percebidas; no entanto, para os que viajam, os embarques são quase sempre atrasados pela quase paranóia por segurança.
Ao mesmo tempo, outras notícias chamam mais nossa atenção porque nos tocam mais diretamente, como, para citar uma, a variação do preço da gasolina.
Da mesma forma, por causa da grande quantidade de informações, temos uma atitude de passividade quando ouvimos as “notícias da Bíblia”, tanto aquelas que têm conteúdo profético/escatológico, como as que são ordens e que exigem mudanças de atitude, pois as consideramos como “informações”, como algo que não nos afeta muito diretamente.
Quando o governo implantou o sistema de racionamento de energia elétrica, tivemos de tomar medidas práticas que afetaram nossa vida do dia-a-dia. Alguns mudaram radicalmente, e apesar da suspensão anunciada desse racionamento, essas pessoas manterão as mudanças, pois viram o benefício na sua vida.
Por que não temos a mesma atitude com relação aos avisos e mandatos do Senhor? Por que sua Palavra não afeta nosso dia-a-dia, já que ele é maior do que qualquer presidente humano?
Por causa de dois motivos básicos:
1. Não atinamos para as conseqüências da desobediência à Palavra falada.
2. Não conseguimos dar atenção às profecias faladas a nós pelos santos profetas de Deus de nosso tempo, pois ouvimos as mensagens da mesma forma que recebemos as notícias que nos vêm pela mídia. Somos desatentos e negligentes.
A Bíblia nos exorta a respeito disso:
“Portanto, convém-nos atentar com mais diligência para as coisas que já temos ouvido, para que em tempo algum nos desviemos delas.” (Hb 2.1)
O fato de sermos negligentes e desatenciosos nos leva a tomar uma atitude irresponsável quanto à Palavra e quanto à nossa própria vida. Sempre achamos que haverá um tempo para consertarmos aquilo que precisa ser consertado, e às vezes nem temos noção do que deve ser consertado, pois essa noção vem por revelação da palavra ouvida. Tanto a fé em Deus como a consciência do nosso estado vem pela revelação que o Espírito Santo nos traz quando ouvimos a Palavra.
O Senhor ordena que sejamos santos. Como tratamos essa ‘informação’? Achamos que é algo bom e vamos “tentar” manter um certo distanciamento das coisas grosseiras. Não tomamos atitudes práticas para mudar o nosso dia-a-dia como fizemos com relação ao racionamento, ou como fazemos com relação aos gastos com combustível. Fazemos como aqueles que continuam gastando como antes, porque colocam no “cartão” ou no cheque pré-datado, o que cria uma sensação de que na hora do pagamento “a gente dá um jeito”.
Convém atentar…
Convém a nós, atentar…
Convém a nós atentar com mais diligência…
Convém ouvir as coisas de Deus, pois elas nos trazem santidade e vida eterna. Convém a nós ouvir e fazer uma separação entre as notícias faladas pelos homens e os mandamentos de Deus. Algumas notícias, se não ouvirmos, não nos trarão conseqüências. Outras produzirão efeitos mais ou menos graves, mas a negligência à Palavra de Deus traz implicações eternas.
Parece que estamos vivendo num século onde a negligência faz parte do caráter assim como a cor da pele. Somos negligentes e, pronto! Por causa da negligência não crescemos, não evangelizamos, não buscamos a Deus, não plantamos, e não colhemos.
Convém atentar para as verdades ouvidas…
Tenho percebido que a maior parte das palavras que ouvimos, das profecias que recebemos, são esquecidas pouco tempo depois. Isso é decorrente da negligência de escrever e de anotar as coisas que o Senhor nos fala. Confiamos numa memória cada vez mais cheia e comprometida.
É preciso atentar, e não somente isso, mas atentar com mais diligência.
Ser diligente é ser caprichoso, cuidadoso, dedicado, ter o sentimento de urgência (não de pressa), de não adiar, e não procrastinar. Não ser néscio, não ser tardio no cuidado, ser responsável. Ser eficiente, conseqüente. A diligência faz parte da vida daquele que se acostumou a começar e a terminar seus projetos.
Devemos ser mais diligentes quanto às coisas que ouvimos para não andarmos a deriva. Isso significa não andar sem rumo. Pode ser que uma pessoa esteja sem rumo, não por falta de planos, mas por excesso de planos. Com relação ao nosso Deus, andar à deriva é andar nos nossos próprios planos sem andar nos planos dele.
Um homem pode fazer muitos planos… Podemos ter o desejo de realizar muitas coisas sem atentar com diligência nos planos de Deus.
O Salmo 139 diz que o Senhor escreveu os nossos dias antes que eles existissem e os determinou, cada um deles. A vida cristã consiste em descobrir a cada dia aquilo que o Senhor escreveu a nosso respeito, e nisso andar.
Andar a deriva é andar fora dos planos do Senhor. Marta tinha muitos trabalhos e não estava fazendo aquilo que era o essencial.
Há um plano, um projeto do Senhor para cada um de nós:
“Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12.1-3).
Esse texto fala de uma carreira. Mas antes fala de uma nuvem de testemunhas que nos rodeia. Fala daqueles homens e mulheres citados no capítulo 11 (dos quais o mundo não era digno) que foram exemplo de persistência em andar na visão e nos planos do Senhor. Pessoas que deixaram as coisas mais preciosas para andar na carreira que lhes estava proposta.
O texto mostra essas pessoas como se estivessem numa arquibancada nos vendo correr numa prova. Elas estão torcendo por nós.
O escritor fala que devemos prestar atenção à nuvem de testemunhas e também que devemos deixar os embaraços, e correr, olhando para Jesus.
Então os verbos importantes nesse texto são: OLHAR, DEIXAR E CORRER.
Olhamos para as testemunhas como modelos de pessoas que correram a mesma carreira em que nós estamos e venceram. Pessoas que deixaram seus lugares, suas famílias, subjugaram reinos, fecharam a boca dos leões, moraram em cavernas, da fraqueza tiraram força, perderam entes queridos, puseram em fuga exércitos, foram apedrejados, queimados, serrados ao meio, viveram no deserto ¾ tudo por causa de uma carreira.
Eles deixaram algo. Sempre temos que deixar alguma coisa em favor dos nossos ideais. Quando queremos comprar um objeto de valor, deixamos de comprar outro de menos valor para economizar para aquele. Quando queremos vencer em um vestibular, dedicamo-nos a isso e não nos envolvemos com coisas que nos dão prazer durante esse período. Quando encontramos a alguém que amamos, dedicamo-nos a ele, e toda a nossa atenção se volta a isso. Quando somos convocados para o exército, procuramos agradar àquele que nos arregimentou.
O texto fala de deixar duas coisas, o peso (embaraço) e o pecado.
Todo pecado é um peso e embaraço. Disso sabemos, não temos dúvida. Não é isso que atrapalha a maior parte das pessoas. O que atrapalha são os pesos que levamos em nossas vidas e que NÃO SÃO PECADO, pois nem todo peso é um pecado.
O que nos atrapalha na vida cristã são as coisas lícitas, normais e legais. Jesus nos ensinou isso quando contou a história de um homem que deu um banquete e convidou algumas pessoas. Os convidados não compareceram por motivos lícitos. A maior parte do tempo não andamos naquilo que o Senhor deseja por causa de coisas lícitas.
“Jesus, porém, lhe disse: Certo homem dava uma grande ceia, e convidou a muitos. E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: vinde, porque tudo já está preparado. Mas todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo, e preciso ir vê-lo; rogo-te que me dês por escusado. Outro disse: Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los; rogo-te que me dês por escusado. Ainda outro disse: Casei-me e portanto não posso ir” (Lc 14.16-20).
Três coisas lícitas impediam aqueles homens: um terreno, uma junta de bois e um casamento.
Essas três coisas são figura de nossas propriedades, nossas atividades e nossos relacionamentos. Se prestarmos a atenção devida, veremos que são essas coisas que nos impedem de correr a carreira que nos está proposta.
Não é pecado ter um terreno, ou uma casa. O pecado é quando essas coisas nos têm, nos dominam.
Não é pecado ter as nossas atividades. Pecado é quando essas atividades nos levam para longe do Senhor (e o problema é que isso acontece com muita sutileza, não percebemos o afastamento até que é tarde).
Não é pecado casar, aliás, isso faz parte do plano normal de Deus para todo ser humano, exceto em alguns casos especiais. O pecado é quando fazemos isso fora da vontade de Deus, com a pessoa errada e na hora errada; ou quando o casamento assume o primeiro lugar nas nossas vidas, pelo fato de nos esquecermos que o casamento foi instituído por Deus para que pudéssemos servi-lo melhor.
Numa corrida o atleta precisa correr com o mínimo de peso. Na Grécia antiga os velocistas corriam nus. A ciência moderna procura criar tecidos que se aproximem disso, para que o atleta vença sua corrida.
Deixar o peso! Essa é a tarefa inicial para aquele que quer correr. Não é algo fácil, pois ele vai ter que se desfazer de coisas que lhe são preciosas, como atividades que lhe tirariam a atenção, relacionamentos que tomariam seu coração e cargas que roubariam sua energia.
No chamado ao discipulado Jesus não nos chama para algo assim?
Deixando tudo isso para correr a carreira.
Alguns de nós estamos andando com dificuldade e até rastejando. O chamado aqui é para correr! Muitos deixaram de crescer na vida espiritual. Os pecados são os mesmos de anos atrás. As conquistas são quase inexistentes, as vitórias são quase inexpressivas, e não têm grandes planos na obra do Senhor.
A idéia do texto não é nos apresentar algumas carreiras para que possamos escolher uma delas, mas fala da carreira proposta.
Deus tem planejado uma carreira para nós.
Quero mostrar dois textos que considero de suma importância e que resumem o nosso serviço aqui.
“Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor. Pelo que, tendo este ministério, assim como já alcançamos misericórdia, não desfalecemos” (2 Co 3.18-4.1) .
O nosso principal serviço na terra é o mesmo de Jesus, ou seja, mostrar aqui o rosto do Pai, revelar o Pai. As pessoas precisam conhecer a Deus e não uma simples mensagem. Não uma doutrina ou religião. O Senhor é um Espírito e para que o mundo o conhecesse enviou Jesus, que é a expressão exata do seu ser.
Jesus, na sua partida, depois de revelar Deus aos seus discípulos, deixou o seu Espírito para se revelar através de nós aos que não o conhecem. A forma que o Senhor escolheu para que as pessoas tivessem acesso à salvação foi pela pregação da Palavra e da demonstração da sua vida através da sua igreja. Paulo chama isso de refletir a glória do Senhor. E essa reflexão é chamada de nosso ministério.
Outra parte do ministério está relatada no seguinte texto:
“Mas todas as coisas provêm de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Cristo, e nos confiou o ministério da reconciliação; pois que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões; e nos encarregou da palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores por Cristo, como se Deus por nós vos exortasse. Rogamo-vos, pois, por Cristo que vos reconcilieis com Deus” (2 Co 5.18-20).
Isso significa que o trabalho, ou ministério, que devemos desempenhar ao mundo compreende essas duas coisas:
1. Refletir a glória do Senhor;
2. Reconciliar o homem com Deus.
A igreja precisa se envolver com esse ministério como a sua prioridade maior. Refletir a glória do Senhor é o maior privilégio e responsabilidade que uma pessoa pode receber na terra. Isso fala de demonstrar o caráter e a vida de Deus em nossos atos e atitudes.
É importante que se diga que o reflexo da glória de Deus acontece como a lua que reflete a luz do sol. Ela não faz qualquer esforço, assim como não podemos nos esforçar para refletir o Senhor. Não é uma questão de esforço, mas de exposição.
A única coisa que podemos e devemos fazer é estar sempre diante do Senhor, não permitindo que qualquer coisa se interponha entre ele e nós. Nenhuma sombra, nenhum objeto, nenhuma atividade, nenhum relacionamento, nenhum comprometimento.
Não podemos permitir que as nossas propriedades, nossas atividades, nem nossos relacionamentos se coloquem como nossas prioridades em detrimento de estarmos diante dele. Isso não se refere a um momento em particular, mas a toda a nossa vida.
Quando aconselhamos a alguém que ainda não conhece a Deus, dizendo que deve olhar para Jesus como sua referência, na verdade estamos colocando-a numa situação difícil, pois o que ela tem como imagem de Jesus são as figuras em quadros ou em crucifixos.
A única forma de a pessoa ver algo de Jesus é olhando para pessoas que o têm, em um primeiro momento e, só depois é que será possível vê-lo diretamente pela presença do Espírito Santo, revelando-o ao coração pela Palavra.
Precisamos fixar isso: Assim como Jesus no seu tempo aqui na terra foi a expressão exata do Pai, a igreja é o que se pode ver de Deus, pois é o corpo de Cristo, o complemento daquele que enche tudo em todos.
José Jamê Nobre é conferencista, escritor e pastor de uma comunidade em Jundiaí – SP.
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“Entre Aspas”
• Quando Arsênio, o educador romano que trocou posição e riqueza pela solidão do deserto egípcio, orou: “Senhor, guia-me no caminho da salvação”, ouviu uma voz dizer: “Fique em silêncio”.
• O silêncio é o mistério do mundo futuro. Mantém-nos peregrinos e nos impede de ficar emaranhados nos cuidados desta era. Ele guarda o fogo do Espírito Santo que habita em nós. Permite-nos pronunciar uma palavra que participa do poder criador e recriador da Palavra de Deus.