Por José Carlos Marion
Início de Ministério
Na minha vida ministerial, eu desejava ser instrumento de Deus para conversão de multidões. Como minha atividade profissional fosse dedicada à pesquisa e docência, entendia que, com graça e unção, poderia utilizar esses recursos para divulgação do evangelho.
A princípio, parecia que tudo estava caminhando para isso. Começávamos a Comunidade Cristo Salva em Jundiaí que, com pouco mais de um ano, já chegava quase a trezentas pessoas. Com o passar do tempo, porém, percebia que havia muita debilidade espiritual na comunidade. Enquanto ela crescia quantitativamente, perdia muito em termos de qualidade. Questionava ao Senhor: “O que está faltando? Ensinamos a Palavra, exaltamos a Pessoa de Jesus, evangelizamos, damos cursos, montamos células, oramos, jejuamos…”
No meio de uma crise muito forte, quase três anos e meio depois desse início, o Senhor, em curtíssimo prazo, de uma forma surpreendente (como só ele pode fazer), tirou-me da direção daquela comunidade e me levou, com minha família, por dois anos, para os Estados Unidos. Fora da agitação e correria, percebi, rapidamente, que aquele período de ministério tirara-me toda comunhão com a minha família, principalmente com minha esposa. Com a justificativa de buscar os perdidos, estava perdendo os meus queridos.
Senti que o Espírito Santo não estava interessado em números, em doutrinas, em métodos, programações (como homem de negócios que sou, escritor, professor, pesquisador, consultor…, poderia implantar estruturas viáveis e bem-sucedidas na igreja), mas em relacionamentos.
Voltei ao Brasil com o propósito de implantar a visão de “estar apaixonado por Jesus e amar os irmãos extravagantemente”. Minha missão era a de buscar, junto com pessoas que Deus colocaria no meu caminho, este alvo. Mais para frente fui entender que este propósito de Deus está claramente definido em Efésios 1.15 e Colossenses 1.4, entre outras citações na Bíblia.
Conhecendo Melhor o Propósito de Deus
Percebi que este tipo de mensagem (amor na vertical e na horizontal) não dá muito “ibope”. As pessoas, de maneira geral, gostam mesmo de palavra da fé, prosperidade, doutrinas, triunfalismo e, em diversas situações, muito barulho. Não bastasse a ênfase nessa mensagem, nessa visão pouco catalisadora, percebi que o Senhor colocava peso no meu coração por pessoas “machucadas, isoladas, com corações insatisfeitos, desapontadas, doentes espiritualmente”.
Uma vez eu li que a “igreja é o único exército no mundo que larga para trás seus soldados machucados, feridos, lançando-os à sua própria sorte”. Entendi que não se tratava apenas de desviados, desertores, mas de gente de dentro da igreja, freqüentadores de reuniões semanais, irmãos preciosos que se sentiam descartados, ignorados e sem forças para reagir diante desse quadro.
Quando Paulo escreve aos Colossenses (1.24) sobre sentir as aflições de Cristo pelo corpo de Cristo, parece que há mais ênfase na edificação da igreja do que na geração da igreja. No capítulo 2 daquele livro, Paulo escreve dizendo que tem lutas, sofrimentos pelo corpo. Por quê? Para que o coração dos irmãos fosse confortado, consolado (entendo isso como receber cuidado carinhoso, amoroso, ser nutrido, restaurado) para estarem unidos em amor. Só a partir daí a Palavra iria fluir e compreender-se-ia plenamente o mistério de Deus que é Cristo (Cl 2.1-3).
Fica claro que a Palavra, a inteligência espiritual, o conhecimento pleno de Deus e da sua vontade só podem ser desenvolvidos num ambiente onde os corações são acariciados, onde os irmãos estão unidos no amor. Como pode acontecer tudo isso se não houver relacionamento?
Antes de me converter, fui de freqüentar bares. Ficava impressionado ao ver o alcoólatra, os bêbados, pessoas desprezíveis serem respeitados, tratados carinhosamente, às vezes com distinção, outras vezes abraçados pelos freqüentadores em geral. Se alguém estava isolado, num canto, rapidamente era reintegrado naquela sociedade de freqüentadores, quase sempre com palavras doces, carinhosas. Por isso, não fiquei escandalizado quando li no livro Esgotamento Espiritual (de Malcom Smith) que “há mais amor num bar que na igreja”.
Lançar Rede Versus Consertar Rede
Uma vez li que o ministério de João foi de remendar redes. Quando Jesus chamou João para segui-lo, ele estava consertando redes (Mt 4.21). João foi o apóstolo do amor. Ele teve um relacionamento profundo com Jesus e depois, alimentado pelo amor de Cristo, pôde falar sobre vida e amor como ninguém. Ninguém enfatizou tanto o relacionamento como João.
A princípio, eu queria ter um ministério como o de Pedro: lançar redes, pescar almas, ser instrumento para a conversão de muitos, falar às multidões. Em Lucas 5.1-10, Jesus manda Pedro lançar a rede e colheu-se uma grande quantidade de peixe. O instrumento de pescar muitos peixes (almas, vidas) é a rede, é a igreja. Todavia, essa pesca tem que ser orientada por Jesus. Ele orientou a pesca em João 21.1-11 e a rede se encheu. Em outras palavras, Jesus enviou os peixes para o lugar onde a rede foi lançada. Ninguém vem a mim se o Pai que me enviou não o trouxer (Jo 6.44).
Parece-me que nos esquecemos do ministério de consertar rede, a rede espiritual, na qual encontramos muitos buracos, furos. A rede precisa estar entrelaçada, com nós firmes, senão ela se rompe. Sem uma igreja sadia, amorosa, perdoadora, não será feita uma grande pescaria nos moldes de Jesus. Não adianta uma grande multidão de peixes enviada para uma rede rompida.
Por outro lado, pescadores que não pegam nada gostam de ficar lavando a rede (Lc 5.2). Lavar a rede é cuidar da aparência, quem sabe cuidar demasiadamente do templo, dos programas, de si mesmo, dos cultos, dos rituais.
Rede é um entrelaçamento de fios, cordas, cordéis, com aberturas regulares, formando uma espécie de tecido. Embora rede tenha inúmeros outros significados, sempre dá a idéia de entrelaçamento, isto é, uma coisa ligada na outra, presa na outra, unidade.
Igreja é um corpo bem ajustado, sendo que todas as partes ficam ligadas entre si por meio da união de todas elas. Assim, cada parte funciona bem, e o corpo todo cresce e se desenvolve por meio do amor (Ef 4.16). Essa é a realidade da igreja? Não. Então, é preciso haver conserto, relacionamento, cobertura mútua, cuidado mútuo. Precisamos urgente do ministério de João.
O Que Fazemos
Começamos, de fato, a desconfiar do nosso chamado de consertar redes na nossa congregação local quando Deus nos enviou um ex-presidiário, convertido, paraplégico, em cadeira de rodas, sobrevivente do massacre do Carandiru, em que 111 morreram. Não só nós, do ministério, mas toda a congregação acolheu esse irmão que, algum tempo depois, foi ungido pastor. Hoje ele preside uma casa de recuperação na qual centenas de pessoas foram recuperadas e salvas. Porém, a comunhão tanto do ministério como da congregação, continua intensa com esse irmão. Ele se sente coberto pelo amor e relacionamento com os irmãos.
Muitas pessoas são enviadas pelo Senhor à nossa congregação para serem abençoadas nestes relacionamentos. Uma outra família de presidiário foi enviada. Diversos casos de pessoas esgotadas espiritualmente. Ao escrever estas linhas, acabo de receber um pedido para receber um casal de pastores juntamente com sua família. Nossa meta de amar extravagantemente uns aos outros propiciava que muitas vidas caídas, problemáticas, enfermas, viessem para o nosso meio, a fim de que o amor de Deus que cobre pecados fosse aplicado. Num certo momento, parecíamos mais pronto-socorro que maternidade.
Uma vez o Senhor nos deu uma Palavra muito forte sobre Mateus 12.16-21, em que Jesus disse que nunca jogaria fora aqueles quebrados, esmagados (cana quebrada), os queimados, esgotados (pavio que fumega, pavios malcheirosos decorrentes de lamparinas cujo óleo chega ao fim e o pavio é jogado no lixo). O ministério de Jesus não seria como o dos fariseus (e de diversas igrejas hoje) que descartavam os que falhavam na vida.
Restaurar as canas esmagadas, pessoas esgotadas não significa apenas recebê-las de volta na igreja, dar-lhes um cargo, incluí-las numa atividade, mas oferecer-lhes relacionamento, consolar-lhes o coração, integrá-las em amor.
Conclusão
Hoje, não saberia viver sem o relacionamento dos irmãos. Sem isso morreria. Entendo que o relacionamento e a comunhão são mais importantes que a visão. A oração no capítulo 17 de João mostra o íntimo do coração de Jesus. Por quatro vezes Jesus pede ao Pai para que sejamos um, tenhamos unidade. Mas qual é o padrão dessa unidade? Da mesma forma que Jesus e o Pai são um. Nada menos que isso. Termino perguntando: qual é o relacionamento entre o Pai e o Filho? Esse é o modelo de relacionamento desejado no coração de Deus para existir entre os seus filhos.
Tudo isso é muito diferente do modelo de igreja que vivemos hoje. As pessoas não estão felizes pelo fato de existir um bom louvor e uma boa palavra nos cultos de final de semana. As pessoas querem e precisam ser integradas umas com as outras. Ter um ambiente de confiança onde elas podem se abrir, chorar, rir. As pessoas querem ser “redes”, cordões ligados entre si, entrelaçados, dependentes, participantes. Querem ter laços fixos, bem apertados, comprometidos. Não pode haver buracos, furos, nós escorregadios, frouxos. Que Deus nos abençoe nesta visão de consertar rede!
José Carlos Marion é professor titular do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP, autor de diversos livros (tanto no campo profissional como espiritual: “Deus Fala Através dos Sonhos”, “A Marca dos Filhos”, “Em Busca da Verdade”, entre outros) e pastor, junto com mais três irmãos, do “Centro Comunitário Cristão” em Jundiaí, SP.