Por: Mateus Ferraz de Campos
Quem é o profeta? Desde que Deus chamou os primeiros homens para esse ofício tão importante no Reino, paira uma espécie de misticismo em torno dessa vocação. Especialmente em nossos dias, creio que temos sido vítimas de uma visão simplista do ministério profético. Essa visão é expressa, pelo menos, de duas maneiras.
Primeiramente, o profeta é visto como uma espécie de bola de cristal. Ele detém o poder de vislumbrar acontecimentos futuros e prever com precisão o que o Senhor fará. Isso explica a mística existente em torno da figura do profeta, uma vez que prever o futuro é uma ambição tão antiga quanto a humanidade.
Em segundo lugar, o profeta é estereotipado como alguém cuja função é meramente exortar. Ele é supostamente dotado de uma autoridade sobrenatural que lhe permite apontar o dedo em qualquer direção, do plebeu ao magistrado, para entregar sua “mensagem” de exortação.
Essa visão simplista colocou o profeta do século XXI em uma posição privilegiada. Ela define dois pólos de poder: o poder de antecipar o futuro, e o poder da autoridade de juiz. Naturalmente, com tanto poder, e com uma autoridade inquestionável, o profeta torna-se uma figura inacessível e irrepreensível, pois o único que pode estar acima dele é o próprio Deus. E o ministério profético acaba tendo um caráter “divino” que distribui sobre os chamados profetas privilégios quase divinos.
Bem, esta pelo menos é a visão que nos foi vendida nos últimos anos. Algo que é assustadoramente oposto à posição do profeta como a conhecemos nas Escrituras.
Os Profetas nas Escrituras
Homens de origens humildes, homens humildes de espírito. Fazendeiros, leigos, homens de pouca genealogia, homens cuja biografia nem se importaram em detalhar, homens estudados que não se apoiavam em seus conhecimentos, sacerdotes que não se valiam de sua autoridade eclesiástica; homens que não se apegavam à própria vida, que se arriscavam ao confrontar com ousadia os poderosos dos mais altos escalões; homens solitários, portadores de mensagens ignoradas; homens tidos como loucos, andando nus pela cidade e chegando a extremos como casar-se com uma prostituta para servir de ilustração viva da infidelidade de seu povo; homens vestidos de peles de camelo, comendo refeições nada requintadas, pregando nos desertos, tendo no final a própria cabeça a prêmio.
Estes são os profetas das Escrituras. Homens caracterizados pela falta de privilégios e pela abnegação do pouco que tinham.
Quando estudávamos o ministério profético em uma das aulas na faculdade teológica, uma professora nos disse: “Se for escolher entre ser sacerdote e profeta, definitivamente escolha o ofício de sacerdote”, referindo-se à dura vida de abnegação, perseguição e incompreensão que acompanha o chamado profético.
No entanto, o que mais caracteriza o ofício de profeta não é somente a humildade de seu chamamento e sua disposição de espírito para cumprir cabalmente os propósitos de Deus. O que chama ainda mais nossa atenção é o seu envolvimento com o remetente da mensagem –Deus – com o destinatário – o povo – e com a mensagem em si.
O profeta não é uma espécie de oficial de justiça que vem entregar a ordem judicial com descaso e frieza. Não é um carrasco sádico que entrega a dura mensagem rindo pelos cantos da boca por se deliciar no juízo que virá sobre o povo. O profeta é chamado para participar das frustrações, anseios, dores, sonhos e angústias de um Deus que sofre e, por outro lado, levar com a mesma dor essa mensagem ao seu povo.
Não é incomum vermos expressões de clamor dos profetas em meio às suas profecias. Quando visualizam o juízo de Deus sobre o povo, choram e lamentam-se sobre a própria mensagem que têm de carregar.
São homens que sofrem com Deus e com o povo, por se verem diante da frustração de Deus e da cegueira do povo. Homens que verdadeiramente contemplam o futuro, mas se vêem inseridos nele. Homens que exortam, mas sentem o peso da exortação sobre seus próprios ombros. Esse é o chamado do ofício de profeta.
Um Profeta Fora de Sintonia
Avaliando por essa perspectiva, o Antigo Testamento nos mostra a história peculiar de um profeta em conflito. Jonas foi chamado por Deus para proclamar juízo sobre a nação que escravizava seu próprio povo. Como cativo que era, Jonas deveria celebrar, não fora o fato de que, por conhecer intimamente a Deus, sabia que Deus não anuncia o juízo sem uma predisposição à misericórdia.
Com medo da misericórdia de Deus (que irônico!), Jonas foge e, depois de peregrinar em meio aos mares, tanto em sua superfície, quanto nos lugares mais profundos (o ventre do grande peixe), cede à vontade de Deus e anuncia o juízo sobre Nínive. Como era de se esperar, Deus se dobra aos clamores de arrependimento dos pecadores de Nínive e Jonas vai para fora da cidade amargar sua ira.
Aqui vemos um profeta em conflito. A sua vontade versus a vontade de Deus. Seus padrões de justiça em oposição à misericórdia divina. Para abrir os olhos a Jonas, Deus ilustra seu sentimento com o nascimento de uma planta. Essa planta trouxe para Jonas o conforto da sombra em meio ao sol escaldante. No dia seguinte, Deus mata a planta, Jonas se revolta, e Deus o faz enxergar que sua escala de valores estava totalmente corrompida.
Creio ser este o maior perigo do ministério profético. Quando o profeta não é mais sintonizado com o coração de Deus e nem tampouco empático com o sofrimento humano, quando a escala de valores é invertida e à semelhança de Jonas, Balaão e outros, a mensagem torna-se corrompida em função de sua própria conveniência.
Deus está à procura de profetas e, mais ainda, de crentes com coração de profeta. Nem todos fomos chamados para falar profeticamente em nome de Deus, mas creio que Deus continua procurando homens que se coloquem na brecha, para sentir com ele as dores de um Criador diante de um mundo em decadência. O dom e o chamado do profeta têm sido muito cobiçados pelas motivações erradas. Busca-se autoridade, poder e função erroneamente cercada de misticismo nos dias atuais.
Creio que Deus está matando nossas plantas, mas continuamos plantando outras. Plantas que nos permitam pregar o que queremos ao invés de ouvir de Deus o que ele quer falar. Verdadeiros bosques estão surgindo ao redor dos púlpitos das igrejas, impedindo as pessoas de ver o coração de Deus e levando-as a se voltarem cada vez mais para seu próprio coração.
Temos sido tão bombardeados com as cenas de horror e violência exibidas nos espaços nobres da mídia, que temos, paulatinamente, nos acostumado com elas. Mais um filho matou o pai, mais um pai espancou o filho, mais um jovem foi baleado, mais um ônibus metralhado, mais uma casa de prostituição aberta na cidade – e nossa vida continua sem nem ao menos um pequenino clamor em nossos lábios. Nossos olhos se secaram, as lágrimas são egoístas e nós simplesmente nos acostumamos. E Deus, se acostumou?
Ao ver um jovem pregar veementemente contra o pecado, enviando todos os pecadores previamente para o fogo do inferno, o Irmão André, conhecido fundador da missão Portas Abertas, olhou em seus olhos e perguntou: “Como você pode pregar sobre o inferno sem lágrimas nos olhos?” O mundo vai para o inferno, enquanto muitas de nossas igrejas ficam cada vez mais parecidas com um vôo fretado para a Canaã celestial.
Quando vejo tantas mensagens de prosperidade na TV e nos best-sellers de “auto-ajuda” evangélicos, fico me perguntando se há espaço para tanta celebração em meio aos clamores do pecado de nossas Sodomas e Gomorras. Penso se não está na hora de deixarmos de pregar a auto-ajuda e começarmos a pregar a ajuda ao próximo. Se nosso clamor por arrependimento não deveria ser tão ou mais alto que nosso grito pela bênção. Penso se não temos que sair da confortável sombra de nossas plantas para chorar com Deus e ter misericórdia dos milhares que perecem e da criação que geme na expectativa da revelação dos filhos de Deus.
Creio que Deus tem levantado no Brasil, e em outros lugares, homens e mulheres com corações proféticos. Corações que acima de tudo amam. Corações íntimos do remetente, identificados com o destinatário e comprometidos com a genuína mensagem.
Gente que andará pelas ruas, orando com lágrimas nos olhos. Gente que proclamará o juízo torcendo pela misericórdia. Pessoas que terão em seus corações o sentimento de Deus, buscando incessantemente o seu favor.
Nos últimos tempos, creio que voltaremos a ouvir esses verdadeiros profetas. Talvez não nos pretensiosos meios de comunicação, mas como a boa e audível voz que clama no deserto. Vozes sem nome, sem expressão social, mas, sem dúvida alguma, com uma mensagem ensurdecedora.
Que se abram os nossos ouvidos ao conselho do profeta que não foi ouvido:
“Esquadrinhemos os nossos caminhos, provemo-los e voltemos para o Senhor” (Lamentações de Jeremias 3.40).
Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana-SP.
Uma resposta
Infelizmente as vozes dos profetas estão sendo caladas por pessoas tendenciosas, sacerdotes corruptos que não querem ser expostos e nem consertar o seu altar. Dizem que estes estão cegos pelo maligno, mas não largam a prática que os levam para as trevas. O custo dessa negligência é alto: derramamento de sangue e almas.