Recentemente, uma grande rede de lojas evangélicas nos Estados Unidos resolveu abrir aos domingos. De acordo com um porta-voz, a decisão tinha a finalidade de expandir sua oportunidade ministerial de “prover Bíblias, livros e outros recursos cristãos aos seus clientes, na hora da sua necessidade”. Entretanto, ao invés de ser recebida como um gesto nobre ou sacrificial, foi vista pela própria mídia secular como mais um sinal da cultura moderna que tenta transformar o domingo num dia igual aos demais, de correria e escravidão consumista. Indiferente da fé ou até da falta de fé das pessoas modernas, a vida vai se tornando tão exigente que quase ninguém mais está conseguindo se afastar das pressões e tirar um dia de folga.
Uma Lei Trabalhista e Dia de Adoração
O sábado bíblico reunia elementos práticos e espirituais: uma lei trabalhista para proteger empregados e uma participação simbólica na vida de Deus. Em Êxodo 20, o mandamento do sábado foi direcionado a pessoas que tanto tinham servos como animais a seu serviço, no sentido de que todos pudessem ter o descanso necessário. Ao fazer isto, cada trabalhador estaria imitando a Deus, que descansou para nos dar o modelo.
Em Deuteronômio 5, o sábado é ligado à libertação que Deus deu ao seu povo da escravidão no Egito. Trabalhar faz bem. Escravidão faz mal. Porém, o trabalho facilmente se torna uma forma de escravidão. O sábado é um símbolo de que nosso trabalho não é por coação e o descanso regular permite que experimentemos nosso trabalho como pessoas livres e não como escravos.
Os cristãos hoje tendem a ligar o sábado (o dia de descanso) com o dia de adoração coletiva, embora as Escrituras do Antigo Testamento não enfatizem muito este aspecto. Na igreja cristã, a história do sábado (e do domingo) é bastante complexa, mas no fim o principal dia cristão de culto e o princípio do descanso sabático se fundiram no pensamento da igreja.
Isto, com certeza, tem fundamento. Como o filósofo cristão do século XX, Josef Pieper, argumentou, verdadeiro descanso é impossível sem adoração. O cerne da adoração divina é sacrifício e o sacrifício é antítese total de utilidade. “O ato de adoração cria um reservatório de verdadeira riqueza que jamais pode ser consumida pelo mundo materialista de trabalho. Estabelece uma esfera onde se ignoram cálculos, e bens materiais são deliberadamente desperdiçados, onde se esquece da utilidade e a generosidade impera”.
Protesto Sabático
Nossas igrejas e famílias precisam voltar a uma consciência do sábado que possa nos prover uma plataforma para testemunho contra a cultura atual. Sem atitudes legalistas, os cristãos têm obrigação de protestar contra a tirania opressiva de tempo e resultados e contra a ordem econômica que procura espremer uma excessiva produtividade das energias das pessoas.
Tal testemunho poderá tomar diversas formas mas, junto com adoração coletiva, deve ser caracterizado por uma interrupção da atividade remunerada, uma pausa nas transações comerciais, um investimento em relacionamentos, uma receptividade à sabedoria divina, uma celebração da criação, e atos deliberados de bondade.
Igrejas e grupos pequenos devem procurar estabelecer alianças mútuas para reconquistar seu tempo sabático. E no decurso de experimentação e retornos mútuos, certamente encontrarão bênçãos de vida.
Tais esforços exigirão apoio mútuo e planejamento, porque nossas vidas são arrastadas pelas correntes da cultura moderna. Nossa cultura estimula uma ética de acumular bens e propriedades, o que nos leva a nos valorizar primariamente em termos econômicos. Até nos ensina a avaliar nosso lazer pelo número e qualidade dos nossos brinquedos, ao invés de o ser pela qualidade restauradora do nosso tempo livre. Somos também formados por uma filosofia utilitária que nos ensina a justificar cada atividade em termos de sua utilidade prática a nós e aos outros.
Há uma qualidade gratuita no descanso sabático. É a antítese da utilidade. A celebração da bondade de Deus e da sua criação não requer nenhuma outra justificativa.
Guardar o sábado, não somente como um dia ou um ritual legalista, é tomar uma posição contra a rotina da vida diária. O descanso e o lazer pertencem a Deus. E o mundo não os pode tirar de nós.
Traduzido e adaptado de um editorial da revista Christianity Today, volume 47, n.º 10, de novembro de 2003.
Mais informações sobre este periódico e outros do mesmo grupo editorial na página:
www.christianitytoday.com
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REFLEXÃO: DIMINUIR O PASSO E MUDAR O CURSO
Há alguns anos, nas Olimpíadas especiais de Seattle, também chamadas de Paraolimpíadas, nove participantes, todos com deficiência mental ou física alinharam-se para a largada da corrida dos cem metros rasos. Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar. Todos, exceto um garoto, que tropeçou no piso, caiu rolando e começou a chorar.
Os outros oito ouviram o choro.
Diminuíram o passo e olharam para trás.
Viram o garoto no chão, pararam e voltaram.
Todos eles!
Uma das meninas, com Síndrome de Down, ajoelhou-se, deu um beijo no garoto e disse: “Pronto, agora vai sarar”.
E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada. O estádio inteiro levantou e não tinha um único par de olhos secos. E os aplausos duraram longos minutos. E as pessoas que estavam ali, naquele dia, repetem essa história até hoje.
Por quê? Porque lá no fundo, sabemos que o que importa nesta vida, mais do que ganhar sozinho, é ajudar os outros a vencer, mesmo que isso signifique diminuir o passo e mudar de curso. “Que cada um de nós seja capaz de diminuir o passo ou mudar de curso para ajudar alguém que em algum momento de sua vida tropeçou e precisa de ajuda para continuar.”
“Fiz-me fraco para com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os meios, salvar alguns.
Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele.
Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis.”
(I Coríntios 9.22-24)