21 de novembro de 2024

Ler é sagrado!

Vida de Impacto: A Ressurreição de uma Língua

Por Jesus Ourives

Se os profetas do Velho Testamento pudessem andar hoje em dia por qualquer rua movimentada de Tel Aviv, ou Haifa, ou Jerusalém, eles ouviriam falar a língua hebraica, uma língua que ainda é essencialmente o mesmo hebraico que falavam há mais de dois milênios. É claro que teriam alguma dificuldade em entender a pronúncia e a gramática modernas, mas isso é um problema de somenos que logo superariam. Obviamente teriam algum problema com novas palavras hebraicas tais como “automóvel”, ou “avião”, ou “televisão”, mas sem dúvida logo adicionariam essas palavras ao seu vocabulário.

Nunca antes em toda a história, uma língua que tenha cessado de ser falada renasceu depois de séculos de desuso. O fato da língua hebraica ter ressurgido, portanto, é fato inédito, fenômeno único entre todas as nações da Terra.

Síntese Histórica da Língua Hebraica

Se você comparar, houve também algumas duras batalhas no século passado, travadas por povos numericamente pequenos, para manter viva a sua língua, como por exemplo os galeses, os irlandeses ou os bascos. Contudo, essas línguas nunca cessaram de ser usadas como a língua dos lares. Tiveram de lutar não para ressuscitá-las, e sim para garantir a sua sobrevivência.

O hebraico, entretanto, teve uma história diferente. Por cerca de 1700 anos, deixou de ser a língua falada de todo o dia. Alguns historiadores alegam que, de fato, ele deixou de ser usado por cerca de 2400 anos, já que a língua que os judeus falavam na sua volta da Babilônia em 536 a.C. não era o hebraico e, sim o aramaico. O aramaico é, na verdade, uma língua relacionada com o hebraico, mas ainda é uma outra língua. De 536 a.C. até 70 A.D. era a língua oficial e coloquial do povo judeu, e somente desapareceu lá pelo fim do terceiro século A.D. O aramaico era a língua que Jesus e os apóstolos usavam.

Quanto ao hebraico, este se tornou uma língua sagrada, a língua do Templo e da sinagoga, a língua da liturgia e da oração, a língua para o louvor e o estudo das Sagradas Escrituras. Nesse sentido, se parece com o latim, que também morreu como uma língua de todo o dia, enquanto sobrevivia no culto e na liturgia da Igreja Católica Romana.

Nasce uma Visão

Como é que uma língua morta renasceu das cinzas, voltando a ser novamente a língua do lar e das ruas, do mercado e do Knesset? Por estranho que pareça, não foi o resultado de um movimento educacional ou um programa de universidade. Na verdade, houve uma tentativa de reviver o uso do hebraico bíblico com intenções literárias seculares pelo movimento Haskalah (1750-1880), mas falhou completamente em tentar adaptar a língua à vida e ao pensamento modernos. Mais tarde, nem o movimento sionista, nos seus primórdios, colocou todo o seu apoio na tentativa de reviver o hebraico. O renascimento do hebraico se deve totalmente à visão e ao esforço de um homem, Eliezer Ben Yehuda.

Ele nasceu Eliezer Perlman, no ano de 1858, em Luzhky, Lituânia. Desde cedo, na sua vida triste e solitária, desenvolveu um amor pelo conhecimento e literatura. Quando adolescente, ele leu Robinson Crusoé em hebraico (um produto do movimento Haskalad), e aquilo o fez compreender que a língua poderia ser usada com objetivos seculares. Naquela ocasião, alguns ortodoxos se irritaram com o uso do hebraico para fins seculares. Aos olhos deles, isso constituía uma blasfêmia.

Em 1879, ele era um estudante na Sorbonne, em Paris. Após a guerra entre a Rússia e a Turquia, as nações balcânicas lutavam pela sua independência. Veio-lhe o pensamento de que se a liberdade era o direito daquelas nações, por que não seria também o direito do seu próprio povo, o povo judeu? Foi então que ele teve uma visão que iria transformar toda a sua vida e, por fim, consumi-la. Descrevendo o que aconteceu, ele escreveu:

Naqueles dias foi como se o céu se tivesse aberto de repente. Uma luz clara e incandescente brilhou diante dos meus olhos, e uma poderosa voz interior soou nos meus ouvidos – “o renascimento de Israel no seu próprio solo ancestral”.

Ele mudou o seu nome de Eliezer Perlman para o nome hebraico de Eliezer Ben Yehuda. Yehuda era o correspondente hebraico do nome iídiche do seu pai, Leib. Também significa “Judá” ou “Judéia”. ‘Eliezer, filho de Judá’, era um nome apropriado para quem dali para a frente na história judaica seria conhecido como ‘o pai do hebraico moderno’. Em 1880, ele escreveu para a moça que mais tarde se tornaria sua esposa:

Eu decidi que a fim de que tenhamos a nossa própria terra e nossa própria vida política, é necessário que tenhamos uma língua que nos mantenha unidos. Essa língua é o hebraico, mas não o hebraico dos rabinos e estudiosos. Precisamos de uma língua hebraica por meio da qual possamos conduzir os afazeres da vida. Não será fácil reviver uma língua morta por tantos séculos. [Robert St John, Tongue of the Prophets (1952) página 40].

Dando a Vida para a Visão

Ben Yehuda quis reviver o hebraico na sua pronúncia sefardi, mais melodiosa, ao invés da pronúncia asquenaze, mais esquisita. A tarefa a que se propôs lhe custaria tudo, mas ele viveu tempo suficiente para ver o hebraico proclamado como uma das três línguas oficiais da Palestina, como também de ouvir o seu som melodioso renascido nas ruas, mercados e escolas da Palestina.

Em 1881, Ben Yehuda emigrou para a Palestina. Débora Yonas, sua noiva, juntou-se a ele e eles se casaram a caminho da sua nova casa. Decidiram estabelecer um lar de fala hebraica para mostrar ao mundo judaico que isso era possível. Desde o momento em que eles entraram no navio, fizeram o voto de não falar outra língua a não ser o hebraico, e na verdade, os seus filhos cresceram ouvindo e falando somente hebraico.

Ele dedicou todo o seu tempo a ensinar a língua, pregando a causa sionista e editando uma seqüência de jornais de língua hebraica, nenhum dos quais tinha uma circulação de mais de 200 exemplares naqueles tempos antigos. Ele usava os seus jornais como veículos para introduzir e testar novas palavras em hebraico. Escrevia num estilo simples e popular, estimulando novos assentamentos de pioneiros, defendendo firmemente o uso do hebraico como uma língua coloquial.

O Processo de Ressuscitar uma Língua

Para que o hebraico fosse uma língua viável, útil para todos, de engenheiros a artistas, de pastores de ovelhas a cirurgiões, milhares de novas palavras eram necessárias. Para cada idéia e inovação dos últimos dois mil anos, era necessário encontrar uma nova palavra. Ben Yehuda era muito cuidadoso na sua abordagem. Dois fatores orientavam o seu trabalho: a língua tinha que ser mantida ‘pura” e não deveria haver nenhum som áspero ou desagradável.

A sua primeira tarefa era descobrir se a palavra tinha existido anteriormente no hebraico. Isso envolvia a pesquisa em centenas de livros. Algumas vezes essas palavras ‘perdidas’ poderiam ser achadas por acidente. Se ele não encontrasse a palavra, o seu esforço para criar uma nova poderia levar até dez anos. As línguas irmãs do hebraico – arábico, aramaico, copta, etíope – lhe forneciam muitas das palavras necessárias. Essa pesquisa envolvia o trabalho em inglês, francês, alemão e russo.

Se ele tivesse que criar uma nova palavra, ele tomava uma base hebraica e a desenvolvia. Por exemplo, para uma nova palavra, ‘dicionário’, ele pegou o hebraico ‘palavra’, ‘millah’, como base, e criou ‘millon’. As novas palavras eram então lançadas através dos seus jornais, e as pessoas por fim as aceitariam ou rejeitariam.

Foi por essa época que ele começou a reunir material para um dicionário de hebraico, que finalmente foi publicado após a sua morte, e é considerado como o dicionário definitivo da língua hebraica. Hoje se compõe de dezessete volumes.

A história do renascimento do hebraico tem também o seu lado humorístico. O estúdio de Ben Yehuda ficava atopetado de papeizinhos, muitas vezes tão pequenos como um selo de correio, nos quais ele tinha feito anotações. Só que ele era desorganizado e reunia todos esses papéis em algumas caixas de madeira. Às vezes levava muito tempo até encontrar o papel que ele procurava. Uma vez ele precisou de um desses papéis onde estava anotada uma palavra nova, que tinha custado muitos anos de pesquisa, e depois de procurar em todos os lugares possíveis da sua casa, foi encontrar o mencionado papel na bainha da sua calça.

Resultado Vitorioso

Em 1913, um grupo muito rico de judeu-alemães financiou a construção do Technicum (hoje Techincon) em Haifa. Transpirou-se que o alemão seria a língua do currículo. Então Ben Yehuda liderou uma luta feroz contra isso. Foi quando ele cunhou a frase, baseada numa longa luta de uma vida inteira, de que “uma nação é a sua língua, tanto quanto o seu suor e o seu sangue”. Os professores abandonaram as suas classes para apoiar Yehuda, e a guerra da língua foi ganha, definitivamente ganha. Daquele tempo em diante, não seria o francês, o alemão, o inglês ou o iídiche a língua do povo judeu; seria o hebraico. Passou a haver, a partir de então, uma imprensa hebraica e uma florescente literatura hebraica.

Quando Ben Yehuda faleceu em 1922, houve três dias de luto nacional. Cerca de trinta mil pessoas acompanharam o seu enterro no Monte das Oliveiras.

Em 1948, o hebraico foi declarado a língua oficial do novo Estado de Israel. É uma língua que é usada diariamente tanto para futebol como para física nuclear, e tudo isso, na minha opinião, é devido, depois de Deus, a um só homem, Eliezer Ben Yehuda. Eu digo ‘depois de Deus’ porque não há nenhuma explicação adequada para o milagre do renascimento do hebraico senão que Deus estava por trás de tudo isso. É um fato sem precedentes na história da humanidade. É uma das facetas da singularidade de Israel.

Compilado de um capítulo do livro “The Uniqueness of Israel” (“A Singularidade de Israel”) de Lance Lambert, publicado por Kingsway Publications – Reino Unido, 1980.

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