Por Christopher Walker
O choque inicial talvez já tenha passado para grande parte da população global. Quem sabe, estamos até começando a nos acostumar com todas estas tragédias mundiais. Assistimos quase em tempo real as torres caindo em Nova Iorque. Vimos os horrores da guerra no Iraque e os vídeos do abuso desumano na prisão de Abu Ghraib. A última série de imagens chocantes foi das ondas gigantes no último dia 26 de dezembro, que assolaram litorais em pelo menos nove países, deixando cenas indescritíveis de destruição e morte e causando incontáveis tragédias pessoais e familiares.
Se a reação após o 11 de setembro foi de temor de novos ataques e disposição de unir as forças para atacar a praga elusiva do terrorismo, desta vez não havia um inimigo para identificar, nem uma guerra justa para organizar. Ou será que havia?
Parece que tem de haver um culpado, sim. Era até previsível que isso acontecesse. Era a velha pergunta ecoando em jornais e revistas através do mundo inteiro. Onde estava Deus durante os tsunamis? Onde ele estava nos genocídios do Holocausto, em Ruanda, no Sudão, na ex-Iugoslávia?
Uma pessoa que expressou essa pergunta depois da tragédia asiática foi um judeu, psiquiatra na Austrália. Ele escreveu que seu pai, o único sobrevivente de nove irmãos no Holocausto, acabou morrendo de câncer, com grande sofrimento, doze anos depois. Como resultado, ele se juntou à maioria dos sobreviventes daquela tragédia e abandonou qualquer fé em um Deus benevolente e justo que governa os acontecimentos e a vida dos homens.
As próprias pessoas que sobreviveram à tragédia, porém perdendo família, propriedades e tudo que tinham, também faziam o questionamento. Na Índia, um homem exclamou angustiado: “Não existe nada! Não existe nada! Onde está Deus? O que é Deus?” Outra senhora idosa, numa pequena vila arrasada, lamentou: “Por que fez isso para nós, Deus? O que fizemos para irá-lo?”
O Debate da Teodicéia
É a discussão que os teólogos chamam de teodicéia: como um Deus bondoso, onisciente e todo-poderoso pode permitir o mal? Ou ele não é realmente bom, ou não é todo-poderoso…
Em 1755, no dia de Todos os Santos (1º de novembro), houve um terremoto em Lisboa que destruiu prédios e casas, soterrando muitas pessoas. O tremor desencadeou um tsunami com ondas de mais de quinze metros que arrasaram navios, docas e casas, e arrastaram mais outras milhares de vítimas para o mar. Ainda por cima, lâmpadas e fogueiras acabaram provocando um incêndio que continuou incontrolável na cidade por três dias. Ao todo, perto de 100.000 pessoas morreram no desastre, quase um terço da população da cidade.
Filósofos e pensadores do Iluminismo europeu, especialmente Voltaire, no seu “Poema Sobre o Desastre de Lisboa”, usaram o desastre para questionar a existência de um Deus benevolente e onipotente que pudesse ter permitido tamanha catástrofe com tantas mortes, inclusive de crianças. Deus teria uma responsabilidade de impedir terremotos e tsunamis. O fato de existirem tais coisas seria uma prova permanente da sua incapacidade, falta de amor ou simples inexistência. Com isso, para grande parte dos pensadores, cientistas e intelectuais, Deus passou a não mais fazer parte das explicações de acontecimentos naturais ou humanos neste mundo.
Uma constatação interessante, feita pelo filósofo existencialista, Gabriel Marcel (1889-1973), é que, embora os mistérios de sofrimento e maldade sejam muito usados como argumentos contra a existência de um Deus amoroso, o sofrimento, na verdade, leva mais pessoas a buscarem a Deus do que a ficarem amarguradas com ele. Se há uma conclusão única que a história da humanidade nos obriga a enfrentar, diz Marcel, é esta: o que mais impede o crescimento da fé em Deus não é a tragédia ou o infortúnio, mas a satisfação e o prazer.
De acordo com o jornalista cristão, Barney Zwartz, do jornal The Age, na Austrália, raramente alguém passa a rejeitar Deus por causa da existência do mal no mundo (não sofrimento pessoal, mas a existência de tragédias e maldade em geral). As pessoas rejeitam a Deus por outras razões, razões que nem sempre elas mesmas compreendem; depois usam as dificuldades racionais da teodicéia para reforçar e justificar sua posição. Todos nós temos um dom natural de racionalizar as posições que queremos defender.
É natural que a pessoa, ao passar por sofrimento próprio, tenha questionamentos. Jó fez várias reclamações, reivindicações e angustiosas declarações que demonstravam que não estava simplesmente suportando tudo com paz e tranqüilidade interior. No entanto, a Escritura diz que Jó não pecou com seus lábios (Jó 1.22; 2.10) e que falou do Senhor o que era reto (Jó 42.7). Buscar uma resposta e pedir explicações a Deus, dependendo da atitude, não significa perder a fé. (Não é garantido também que Deus vá responder do jeito que você queria!)
Outra questão importante salientada por Zwartz é que o próprio questionamento da teodicéia (como um Deus amoroso e poderoso pode permitir o sofrimento) está no contexto errado. É uma discussão baseada num Deus teórico e filosófico, alguém que pela lógica teria de ter atributos perfeitos de bondade, conhecimento e poder, mas totalmente desprovido de personalidade, emoções ou sentimentos. Não leva em conta o pecado, a pessoa e os ensinamentos de Jesus, ou a necessidade de arrependimento. E, evidentemente, ignora por completo o fato de que Deus sente tanto pelo sofrimento humano que veio aqui na terra para senti-lo como homem e para sofrer agonias muito acima da dor experimentada por nós, a fim de dar-nos uma solução.
O teólogo Nicholas Wolsterstorff, que perdeu um filho num acidente, escreveu: “O sofrimento está lá no fundo, no centro das coisas, lá onde se encontra o significado da vida. O sofrimento é o significado do nosso mundo. Pois o Amor é a razão de tudo , e o amor sofre. As lágrimas de Deus são o significado da nossa história. Mas o mistério permanece. Por que o amor sem sofrimento não pode ser o significado de tudo? Por que Deus suporta seu próprio sofrimento? Por que ele não resolve aliviar sua agonia de uma só vez, aliviando com isso a nossa?” Não temos as respostas, só sabemos que é assim porque não há um jeito melhor – se houvesse, Deus o faria!
RESPOSTAS BÍBLICAS
1. Deus não só criou o mundo, mas o sustenta momento por momento:
“…nele tudo subsiste” ou, na versão da Linguagem de Hoje: “por estarem unidas com ele, todas as coisas são conservadas em ordem e harmonia” (Cl 1.17); e: “Ele sustenta o Universo com a sua palavra poderosa” (Hb 1.3).
O Deus da Bíblia não é um espectador passivo ou um Criador deísta que se afastou da criação e está deixando que ela se desenvolva sozinha. Não existe um átomo ou molécula em toda a cosmosfera que esteja fora da soberania de Deus. Jesus veio para revelar o verdadeiro Deus aos homens, e ele tinha autoridade sobre ventos e ondas (Mt 8.26,27).
Veja estes textos também:
“Quem encerrou o mar com portas, quando irrompeu da madre … e disse: Até aqui virás, e não mais adiante, e aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas?” (Jó 38.8,11).
“Ó Senhor…. Tu dominas o revolto mar; quando se agigantam as suas ondas, tu as acalmas” (Sl 89.8,9).
A Bíblia também afirma a bondade de Deus (Mt 19.17; Tg 1.13-17).
Portanto, Deus é onipotente, onisciente e absolutamente bom, ao mesmo tempo! Qualquer outro deus não é o Deus da Bíblia.
2. O sofrimento é conseqüência do pecado.
Isso está claro nas palavras de Deus para o homem e a mulher no jardim do Éden (Gn 3.16-19). Jesus atribuía doenças à obra satânica, como em Lucas 13.16. Paulo explica, em Romanos 8.20-22, que toda a criação geme e suporta angústia até o dia em que será liberta de todos os efeitos do pecado e do domínio satânico.
Porém, Jesus também explicou que nem toda doença pode ser atribuída diretamente ao pecado de alguém, como no caso do homem, em João 9, que nasceu cego. Esse, aliás, é o tema central do livro de Jó. E os amigos dele foram reprovados por Deus por terem tentado justificar seu sofrimento com explicações lógicas e simplistas de que só podia ser castigo pelo seu pecado. Infelizmente, muitos teólogos e estudiosos cristãos tentam explicar as coisas, hoje, de forma bem semelhante!
No caso da tragédia dos tsunamis asiáticos, algumas pessoas já tentaram explicar a justiça de Deus dizendo que a região é, na maioria, povoada por muçulmanos que perseguem os cristãos, e também por hindus e budistas. Jesus contradisse claramente esse tipo de argumento em Lucas 13, quando falou sobre duas tragédias, uma causada pela crueldade de Herodes e outra, por desastre natural, a queda de uma torre. A conclusão dele, que não era restrita apenas àqueles casos, era que as vítimas não morreram por terem pecado mais que os outros. Lisboa, em 1755, não era pior que as outras cidades contemporâneas. (E como explicar que, naquela calamidade, igrejas e templos caíram, enquanto o setor de prostíbulos ficou em pé?)
Jesus também não tentou explicar por que Deus poderia ter permitido tal coisa, ou se era justo ou não que aquelas pessoas morressem; ele apenas afirmou que era um prenúncio do juízo final de Deus e, por isso, um alerta para que todos se arrependessem.
No caso dos tsunamis asiáticos, como em tantas outras catástrofes, a morte e a destruição não fizeram distinção evidente entre cristãos e não cristãos. Muitos cristãos foram mortos junto com os outros, em alguns casos, congregações quase inteiras, pessoas que estavam, naquele momento, buscando a presença de Deus. Houve, também, muitos testemunhos de livramento, o que mostra que Deus é capaz de intervir em casos individuais dentro da sua imensa sabedoria, mas esses livramentos milagrosos aconteceram também a pessoas não cristãs.
Podemos concluir que Deus nunca usa desastres ou guerras para julgar cidades, governantes ou países? Claramente que não, pois temos os exemplos de Sodoma e Gomorra, o da própria nação de Israel, e o das outras nações, às quais os profetas do Velho Testamento anunciavam os juízos de Deus.
“Quão insondáveis são os teus juízos!”, exclamou Paulo em Romanos 11.33. Assim, se Deus não revelou claramente seus propósitos neste caso, devemos permanecer na humildade, afirmando a soberania e bondade de Deus, mesmo quando não podemos compreender todas suas razões.
3. Calamidades destrutivas são um misto de misericórdia e juízo.
No caso de Jó, seus filhos aparentemente não eram muito sensíveis a Deus. Jó se preocupava com eles e procurava interceder em seu favor. É possível que sua morte tenha sido um juízo de Deus sobre suas vidas, ao mesmo tempo em que foi algo permitido por Deus na vida de Jó para purificá-lo e levá-lo a conhecer mais ao Senhor. Dessa forma, um mesmo acontecimento pode ser juízo para alguns e misericórdia para outros.
Usando novamente as palavras de Jesus, em Lucas 13.1-5, as calamidades representam uma mensagem clara de Deus para o arrependimento. Os cristãos podem e devem anunciar esse significado dos acontecimentos, sem contudo apontar o dedo ou achar que uma região é melhor que outra. Devemos receber esta mensagem, em primeiro lugar, para nós mesmos.
4. Assim como Jesus veio para compartilhar do nosso sofrimento a fim de solucioná-lo para sempre, somos chamados por Deus em toda e qualquer circunstância como esta a nos doarmos, a servir àqueles que estão sofrendo, a tomar seus fardos como se fossem nossos (Rm 12.15).
Muitas notícias estão chegando sobre missões e grupos cristãos que se dispuseram a doar seu tempo, seus recursos e seu coração para ajudar os sobreviventes e os arrasados. Porém, embora certamente tenham inúmeras oportunidades de falar do amor de Jesus, os defensores de outras religiões estão vigiando. Se ajudarmos com resultados evangelísticos em vista, as pessoas não entenderão a mensagem verdadeira do amor desinteressado de Deus. Verão todo o esforço humanitário como tendo segundas intenções. Jesus veio curando, mostrando compaixão e abençoando aqueles que estavam à sua volta, sem qualquer exigência ou precondição. É o amor dele que fomos chamados a doar a este mundo, por onde quer que estejamos.
5. “E haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; e sobre a terra haverá angústia das nações em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas; os homens desfalecerão de terror, e pela expectação das coisas que sobrevirão ao mundo… Ora, quando estas coisas começarem a acontecer, exultai e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção se aproxima” (Lc 21.25-28). Acima de tudo, não devemos ignorar o que Deus vem fazendo no mundo nos últimos anos. Podemos não entender muita coisa ainda, mas Deus não está alheio e, com certeza, está agindo de acordo com o seu cronograma. Que estejamos atentos e sempre prontos a ouvir sua voz e a atender seus chamados!
Fontes de pesquisa:
• God and the Tsunami Part 2, de R. Albert Mohler Jr., presidente do Seminário Teológico Batista do Sul, do site www.bpnews.net
• Trusting God or Rejecting God, de Barney Zwartz, Jornal The Age, site: www.theage.com.au
• Tsunami, Soberania e Misericórdia, de John Piper, do site em inglês: www.desiringgod.org.