Charles H. Spurgeon (1834–1892)
“Deus é muito poderoso, e mesmo assim não despreza nenhum dos seres humanos; ele é poderoso e firme no cumprimento dos propósitos do seu coração” (Jó 36.5, KJA).
“Deus é muito poderoso” – em outras palavras, Deus é tão forte que seu poder é imensurável e inconcebível. “Deus falou isto uma vez, duas vezes eu ouvi: que o poder pertence a Deus” (Sl 62.11). Tudo o que Deus já fez é prova de seu poder, mas nem mesmo conhecendo suas maiores obras conseguimos imaginar o que ele ainda é capaz de realizar. “Essas coisas são os seus atos mais simples. Como é leve o sussurro que ouvimos dele! Mas quem poderá entender o trovão do seu poder?” (Jó 26.14).
Todo poder emana de Deus
Para o Senhor, nada é impossível. Procure conhecer um pequeno vislumbre do poder de Deus examinando os seguintes fatos. Primeiro, todo poder que existe no universo originou-se de Deus, ainda procede dele e, se ele quiser, tudo acaba num instante. Ele colocou o mecanismo da natureza em movimento e, às suas ordens, do mesmo jeito deixaria de funcionar. As faculdades mentais de querubins, serafins, anjos ou homens emanam da energia criativa de Deus, são um raio de seu sol eterno, e deixariam de existir se ele decidisse restringir seu poder.
Com uma palavra dele, os enormes astros celestes que orbitam em volta do sol sairiam de sua trajetória certa, entrando em caos desenfreado e causando inevitável destruição. A lei da gravidade, que mantém tudo em seu lugar, deixaria de funcionar num instante se Deus removesse a força que lhe dá tal poder. Deixaria de haver coerência entre os átomos – não, os próprios átomos se dissolveriam a um estado de não existência, dando lugar a um vasto sepulcro, um vácuo universal.
Vemos aqui tamanho poder que, junto a Neemias, clamamos: “Tu somente és SENHOR. Tu fizeste o céu e o céu dos céus, com todos os seus elementos, a terra e tudo quanto nela existe, os mares e tudo quanto neles há, e tu dás vida a todos os seres, e os exércitos do céu te adoram” (Ne 9.6).
Esse grande Deus pode fazer todas as coisas sem ajuda alguma. Ele não precisa de qualquer auxílio de ser criado algum. Na verdade, não faria nenhum sentido receber ajuda deles, uma vez que o poder de todos os outros seres derivam unicamente dele. As criaturas não têm como contribuir para a força divina, elas apenas manifestam Deus ao revelar o poder que emprestaram dele.
Não apenas isso, com facilidade ele poderia cumprir todos os seus propósitos ainda que todas as criaturas usassem sua força e intelecto para se opor a ele. Não faria diferença à sua supremacia e poder se todas as mais tremendas potestades já criadas se revoltassem. Aquele que habita nos céus zombaria deles. Mesmo as potestades que se levantassem contra ele estão sob sua autoridade. Seus inimigos são estrado de seus pés; até mesmo da ira deles Deus é capaz de produzir propósitos pacíficos: “Até a ira dos homens redundará em teu louvor, e com os resquícios de furor tu te cinges” (Sl 76.10 KJA).
Deus nunca se cansa
Observe que, quando Deus terminou de criar tudo o que desejava, sua força permanecia intacta. “Não sabes? Não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos confins da terra, não se cansa nem se fatiga? O seu entendimento é insondável” (Is 40.28). Ele vigia sem cessar, mas jamais se cansa a ponto de precisar parar para tirar uma soneca. Ele trabalha sempre, mas nunca faz uma pausa para descansar por fadiga ou exaustão. Quando termina de fazer tudo a que se propôs, ele continua com o mesmo vigor, como se nada tivesse feito.
Quando atinge, do ponto de vista humano, o ápice de seu potencial, para Deus ele mal começou. Essas são as orlas de suas vestes, sendo que a plenitude de sua glória ainda não foi vista. Estremeço ao falar sobre coisas que conheço tão pouco, mas, no sentido mais enfático que possa ser concebido pelo intelecto mais desenvolvido, Deus é deveras poderoso; sim, e muito além de tudo que jamais tenha entrado no coração do homem.
Poderoso em sabedoria
O texto também afirma que ele é “grande na força da sua compreensão” (NAA). Portanto, precisamos considerar que Deus é poderoso em pensamento. “O seu entendimento é insondável” (Is 40.28). Ele não possui apenas força física, por meio da qual ele cria, preserva ou destrói, mas detém o poder mais elevado de entendimento, pois ele é maravilhoso em conselho (Is 28.29). “Grande é o nosso Senhor, forte em poder; não há limite para seu entendimento!” (Sl 147.5).
É difícil encontrar palavras para expressar o que quero comunicar, porque Deus é Espírito; entretanto, quando de forma muito reverente dizemos que ele possui mente e intelecto, ele é tão onipotente nesse aspecto quanto o é com relação ao mundo físico. Essa é a segurança de todas as criaturas de Deus: que ele é um Deus poderoso em pensamento. Grandes são os pensamentos, os desígnios, a sabedoria e a bondade de Deus.
Deus não despreza a ninguém
Agora, aqui reside um ponto muito crucial: apesar do seu poder, Deus a ninguém despreza. A prova se revela claramente. Deus é tão grande e poderoso que todas as coisas são pequenas para ele. Não existe nada que seja grande para esse Deus infinito. Existem mundos tão imensos que os cálculos humanos não conseguem estimar seu tamanho. Existe uma quantidade tão numerosa de mundos e astros que não seria possível contá-los; ainda assim, individualmente ou em suas constelações, para Deus não passam de uma gota. Uma vez, então, que todas as coisas são pequenas para ele, até mesmo as coisas que costumamos pensar que são muito importantes estão muito abaixo do nível de sua grandeza. Se a observação e o cuidado divinos devem se estender às criaturas, então precisam necessariamente voltar-se para a insignificância e a fraqueza, pois, em comparação com ele, tudo se resume exatamente nisso.
Se você precisa de uma prova de como o Senhor presta atenção às coisas pequenas, observe a criação. O grande e poderoso Deus manifestou sua grandeza tanto nos elementos pequenos quanto nos magníficos mundos que criou. Numa única gota de água parada encontramos miríades de criaturas se entretendo; e em cada uma delas a onipotência é manifesta. Cada parte desses imperceptíveis seres exibe habilidades impressionantes e um design admirável. A própria pequenez amplifica nossa admiração e nos compele a apreciar o poder do divino Criador.
Ele está atento a tudo o que diz respeito a uma mosca ou carrapato – e tão certo como ele zela por serafins e querubins, zela também por insetos ou girinos com séria determinação. Ele claramente dedicou o mesmo empenho para se expressar na formação de minúsculas criaturas quanto na delineação do universo; e, tendo feito isso, não devemos questionar a sensibilidade com que lida com o mais pobre e necessitado entre os homens. Da mesma forma não desprezará nenhum dos que o buscam com sincero coração.
Aquele que cuida de insetos e girinos ouvirá as orações de corações humildes e não se recusará a cuidar daquele que é ignorante ou obscuro. Jesus, seu Filho, era manso e humilde de coração, e permitiu que os pequeninos tivessem acesso a ele. Nós, portanto, que somos os menores entre os homens, não seremos desprezados.
O mesmo respeito dispensado às coisas pequenas pode ser observado na providência. A providência de Deus não diz respeito apenas a guerras entre impérios poderosos, a debates em gabinetes e conselhos de reis, mas abrange tudo o que se passa na terra. O desabrochar de cada uma das milhões de flores silvestres foi estabelecido pelos propósitos eternos; o coaxar dos sapos no brejo ou o cair de uma folha de carvalho na floresta faz parte do plano de sabedoria eterna. A migração de cada andorinha foi tão programada como a viagem de Colombo. O insucesso de um caçador de pássaros foi tão planejado quanto a emancipação de uma nação.
Deus está atento a todas as coisas; nenhum pardal pousa no solo sem o conhecimento do Pai, e até mesmo os fios de cabelo de sua cabeça são contados. Um poder que abrange coisas pequenas como essas e que se digna a incluí-las em seu propósito eterno prova categoricamente que o Senhor não pode ser acusado de menosprezar alguém.
Isso fica ainda mais claro quando pensamos no tipo de pessoas por quem Deus mais mostrou favor. Quem ele escolheu? Repare que as pessoas que experimentaram com mais intimidade do amor de Deus dificilmente foram os grandes personagens deste mundo. “Irmãos, observai o vosso chamado. Não foram chamados muitos sábios, segundo critérios humanos, nem muitos poderosos, nem muitos nobres” (1 Co 1.26). O que Paulo diz nessa epístola aos Coríntios? “Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que são nada para reduzir a nada as que são” (1 Co 1.28).
Ele não despreza a ninguém, disso estamos certos, pois quando instituiu os fundadores de sua Igreja e separou doze líderes para o apostolado, ele não separou filósofos, nem senadores, nem reis, mas humildes pescadores; e, a partir de então, ele tem prazer em realizar os mais poderosos feitos em favor de seu povo através daqueles que eram menos estimados entre os filhos dos homens, pois o seu grande poder o leva a não desprezar a ninguém.
Caro leitor, é bem possível que você seja mais uma doce prova de que ele a ninguém despreza, pois poderia dizer, junto com Davi no Salmo 22: “Porque não desprezou nem rejeitou a aflição do aflito, nem dele escondeu o rosto; pelo contrário, ouviu-o quando clamou” (v. 24). Talvez você tenha passado pelas profundezas da tribulação por causa de enfermidades, perda de familiares, pobreza ou perseguição, mas Deus não se esqueceu de você. Ele esteve muito perto em seu momento de angústia, provando que não despreza a ninguém. “Mas darei atenção a este: ao humilde e contrito de espírito, que treme diante da minha palavra” (Is 66.2).
Logo, meu irmão, a prova que lhe apresentei de que o Senhor se atenta às coisas pequenas e humildes mostra a grandeza de sua alma. Ele é tão grande em poder e seus pensamentos são tão intrinsecamente dotados de sabedoria que ele se preocupa com todos. “O SENHOR é bom para todos, e suas misericórdias estão sobre todas as suas obras” (Sl 145.9).
Ele ama e considera cada um
Isso deveria servir de grande encorajamento aos que passam por provas. Meu amigo, você não chegou a um estado tão humilhante como o de Jó quando ele se sentou em cinzas e raspou suas escaras com cacos de cerâmica; porém, mesmo que venha a passar por uma situação como aquela, não conclua que foi desprezado pelo Senhor. Ele jamais desprezaria aquele por quem Cristo morreu. O Senhor não pensa em você com desdém e nunca diria: “Que sofra! Esse é um ninguém; não me importa o que venha lhe acontecer”.
Pelo contrário, o que estiver entristecendo seu coração hoje lhe foi permitido por infinita sabedoria e incomparável amor. Se tivesse acesso a todos os fatos e soubesse de todos os divinos propósitos – e se tivesse um entendimento claro como o de Deus – você se colocaria exatamente onde está agora, pois os caminhos de seu Pai são certos e bons. Ele não o colocou na fornalha porque o despreza, mas porque ele conhece o seu valor. Você foi comprado com o sangue de Jesus e, portanto, pode ter certeza de que ele o tem em grande estima.
Tampouco o Senhor deixaria de se importar a ponto de se esquecer de você em sua dor. Jesus tem grande compaixão de você em sua dor. Na vigília da noite, ele vê sua fraqueza, sua insônia. Quando os amigos e cuidadores sucumbem ao cansaço, ele está com você e prepara seu leito de descanso. Não diga: “Meu Deus está tão ocupado com as glórias celestiais e os acontecimentos mundiais que se esqueceu de mim”. Longe disso. “Como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece dos que o temem” (Sl 103.13). Acredite, nosso grande Deus é poderoso demais para desprezar qualquer um de seus filhos. Ele vê suas lágrimas e ouve seus gemidos, pois ele mantém comunhão com o menor entre seu povo. “Em toda a angústia deles, ele também ficou angustiado, e o anjo da sua presença os salvou…” (Is 63.9).
– Resumo do sermão “The Magnanimity of God [A Magnanimidade de Deus].”