Walter Beuttler (1904–1974)
O livro de Habacuque contém uma lição que todo cristão precisa aprender se não quiser correr o risco de derrota em conflitos emocionais e intelectuais causados pelas intervenções da providência divina em sua vida. Esse livro, paradoxalmente, parece nos oferecer a solução para problemas insolúveis de providência divina.
A mensagem do livro começa com um fardo, “A mensagem que o profeta Habacuque recebeu”, e termina com um cântico, “Ao regente de música. Para instrumentos de cordas”. Entre as duas passagens, entre a aflição e o cântico, encontramos a mensagem principal – a maneira como Deus transforma fardos em canções!
Habacuque está apreensivo e perplexo. Seu coração está pesado, há um tormento mental e conflitos emocionais. Esse estado de espírito precisa de uma solução.
Outras versões da Bíblia para Habacuque 1.1 trazem “oráculo” ou “sentença pesada” como uma alternativa para “mensagem”. E todas as traduções estão certas. A mensagem de Habacuque é um oráculo que surge de um encargo, de um sentimento de fardo ou peso. Ele tem um problema pessoal que desafia a lógica e afronta sua fé em Deus.
“Até quando clamarei, e não escutarás, SENHOR?” (Hc 1.2). Esse é o problema da oração não respondida!
“Por que razão me fazes ver a maldade e a opressão? …pois o ímpio cerca o justo, de modo que a justiça é pervertida” (Hc 1.3,4). Esse é o problema do sofrimento do justo nas mãos do ímpio quando, aparentemente, não vislumbramos qualquer intervenção de Deus.
“Por que ficas apenas olhando para os perversos e te calas enquanto o ímpio devora quem é mais justo do que ele?” (Hc 1.13). Esse é o problema da aparente tolerância de Deus à maldade.
O problema de Habacuque se expressa em seus três questionamentos: “como”, “por quê” e “para quê”. Essas três expressões são a chave para a compreensão do seu problema e para o livro – mas não são a solução. Perguntar para Deus como, por quê e para quê não resolve o problema; na verdade, apenas o intensifica.
Em Habacuque 2.1, vemos como o profeta leva seu fardo e suas perguntas a Deus: “Eu me colocarei sobre a minha torre de vigia; ficarei sobre a fortaleza e vigiarei, para ver o que ele me dirá…” Aqui, precisamos observar um ponto importante, pois ele não apenas fala a Deus, ele também dá a Deus uma oportunidade de responder. Muitos de nós levamos a Deus nossas questões – ou achamos que as levamos – sem dar a Deus uma chance de falar conosco.
Esperar no Senhor parece ter se tornado uma arte perdida. Não é à toa, portanto, que muitos santos andam tropeçando, caminhando com dificuldade sem qualquer amparo em Deus. Habacuque estava determinado a esperar diante de Deus até que ouvisse o Senhor falar, pois “não há limite para seu entendimento” (Sl 147.5)
O Deus de Habacuque fala e responde: “Então o SENHOR me respondeu e disse: … o justo viverá por sua fé” (Hc 2.2-4). De fato, nosso Deus fala se lhe dermos oportunidade.
Nos versículos 3 e 4 do capítulo 2, Deus na verdade diz: “Eu tenho uma explicação”. Nós esperamos uma explicação, enquanto Deus espera nossa fé. As perplexidades que resultam das intervenções providenciais de Deus em nossa vida constituem o chamado dele para exercermos a fé. Quando não há explicação, só podemos recorrer à fé.
Muitos são reprovados exatamente neste ponto, na escola da providência divina. Eles creem em Deus por causa do que ele faz – e enquanto ele continuar fazendo. A linha de raciocínio de sua fé se resume a isso. Mas Deus procura nos levar para além desse ponto, a fim de termos oportunidade de crer nele não apenas pelas coisas que ele faz, mas por quem ele é. Em outras palavras, Deus procura desenvolver nossa fé até que ela esteja totalmente ancorada em seu caráter, não importa o que ele faça ou deixe de fazer.
As soluções de Deus para nossos “como?”, “por quê?” e “para quê?” não repousam em uma explicação das suas ações e motivos; encontram-se na fé irrestrita e incondicional na inquestionável integridade de Deus. Com essa convicção, podemos, como Jó, dizer: “Ainda que ele me mate, nele esperarei” (Jó 13.15), mesmo que Deus permita que passemos por situações que pareçam negar sua justiça e soberania e contradizer sua própria palavra. Habacuque ouviu: “o justo viverá por sua fé” (Hc 2.5).
“Tenho ouvido, ó Senhor, as tuas declarações” (Hc 3.2 ARA). Deus falou, Habacuque ouviu. O homem se transformou. Depois de um longo conflito, a fé prevaleceu. Habacuque, o inquisidor subjetivo, tornou-se Habacuque, o adorador objetivo, e faz uma das manifestações mais triunfantes encontradas em todo o registro divino.
O entusiasmo de seu coração está registrado em Habacuque 3.17-19: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto nas videiras; ainda que o produto da oliveira falhe, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado do estábulo e não haja gado nos currais; mesmo assim, eu me alegrarei no SENHOR, exultarei no Deus da minha salvação. O SENHOR Deus é a minha força!”
O descanso da fé
Não há mais o “como”, o “por quê” e o “para quê”; o fardo também se foi. A confusão emocional diminuiu, o conflito mental cessou. O tormento de dúvida e incerteza deu lugar à paz de Deus, que ultrapassa todo entendimento – e todo desentendimento também. O profeta perplexo não está mais perplexo. Habacuque entrou no descanso da fé!
Apesar disso, ele ainda passará por dificuldades. Os ímpios ainda estão à sua volta. As circunstâncias não mudaram. Nem sempre Deus decide mudar as nossas circunstâncias. Na verdade, ele usa as circunstâncias para nos mudar. Depois que somos transformados, o fato de as circunstâncias terem mudado ou não se torna secundário.
A força da fé
Habacuque chegou ao lugar onde podia dizer: “O SENHOR Deus é a minha força!” Por meio da fé Deus se tornou sua força para qualquer eventualidade.
O profeta não tem medo de seguir em frente pois “Ele fará os meus pés como os da corça” (Hc 3.19). Habacuque tinha uma corça em mente. Esse animal de andar confiante é capaz de se mover e saltar com grande facilidade em difíceis terrenos montanhosos. Ela conta com essa habilidade para escapar quando perseguida por um predador. “Ele fará os meus pés como os da corça”, quando perseguida por uma fera que “anda em derredor, rugindo como leão que procura a quem possa devorar” (1 Pe 5.8).
Ocorre uma capacitação divina por meio da fé na fidelidade de Deus. Em situações de dificuldades aparentemente intransponíveis, a fé dirá: ““O SENHOR Deus é a minha força!”. Habacuque apropriou-se da força da fé!
O profeta, no entanto, não está apenas satisfeito com sua vitória pessoal sobre o que o deixava perplexo. Ele está transbordando de fé, de tal forma que se sente impelido a compartilhar sua lição e vitória com outros. Assim, na conclusão de sua mensagem, ele se volta para o mestre de canto e o instrui a cantar o cântico de fé acompanhado de instrumentos: “Ao regente de música. Para instrumentos de cordas” (Hc 3.19). A fé canta!
A Septuaginta faz uma extraordinária interpretação aqui: “O Senhor Deus é a minha força, e irá fortalecer os meus pés, grandemente. Ele me assenta em lugares altos, a fim de que eu possa conquistar por meio da sua canção”. A fé que canta conquista. Outra tradução desse versículo, por Rotherham, diz: “To the chief musician, on my double harp” [“Ao mestre de canto, em minha harpa dupla” – livre tradução]. Uma harpa simples não é suficiente para esse cântico. Fé é música. Fé tem melodia. A fé precisa cantar. Habacuque entrou na adoração da fé; ele começou com um fardo e terminou com uma canção! Aleluia!