Alexander Strauch
“E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente” (1 Co 12.31).
Dwight L. Moody, o Billy Graham do século XIX, relata seu encontro com a doutrina do amor que mudou sua vida. Começou quando Henry Moorhouse, um evangelista britânico de 27 anos, pregou na igreja de Moody durante uma semana. Para surpresa de todos, Moorhouse pregou sete sermões seguidos acerca de João 3.16. Para provar como “Deus amou o mundo de tal maneira”, ele pregou sobre o amor de Deus desde o Gênesis até o Apocalipse. O filho de Moody registrou a descrição de seu pai sobre o impacto da pregação de Moorhouse:
Por seis noites ele havia pregado apenas sobre esse texto. Ao chegar a sétima noite, ele foi para o púlpito. Todos os olhos estavam focados nele. Ele disse: “Amados amigos, estive o dia todo à procura de um novo texto, mas não consegui encontrar nada tão bom como esse; então voltaremos ao terceiro capítulo de João e ao décimo sexto versículo”. Em seguida, pregou o sétimo sermão a partir daquelas maravilhosas palavras: “Deus amou o mundo de tal maneira”. Eu me lembro do fim desse sermão: “Meus amigos”, disse ele, “durante uma semana inteira eu tenho tentado dizer-lhes o quanto Deus os ama, mas não posso fazê-lo com esta pobre língua gaguejante. Se eu pudesse pedir emprestada a escada de Jacó para subir ao céu e pedir a Gabriel, que está na presença do Todo-Poderoso, que me diga quanto amor o Pai tem pelo mundo, tudo o que ele poderia dizer seria: Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”
Incapaz de conter as lágrimas enquanto Moorhouse pregava sobre o amor de Deus ao enviar seu único Filho para morrer pelos pecadores, Moody confessou: “Eu nunca havia percebido até aquele momento o quanto Deus nos amava. Esse meu coração começou a descongelar; eu não conseguia reter as lágrimas. Era como se fosse uma notícia ansiosamente aguardada de um país distante: chegou como bálsamo para minha alma. A congregação superlotada estava bebendo com igual avidez. Posso afirmar que existe algo que atrai mais do que qualquer coisa no mundo: o amor”.
Como resultado da influência de Moorhouse, Moody começou a estudar o tema do amor. Isso mudou sua vida e sua pregação. Ele disse mais tarde:
Tomei essa palavra amor e não sei quantas semanas passei estudando as passagens em que ela ocorre, até que finalmente não pude deixar de amar as pessoas! Depois de passar um bom tempo me alimentando do amor, fiquei ansioso para fazer o bem a todos ao meu redor.
Fiquei cheio disso [de amor]. Destilava de minhas mãos, dos meus lábios. Faça o mesmo – uma imersão no tema do amor na Bíblia! Você ficará tão cheio dele que tudo que tem a fazer é abrir a boca e uma inundação do Amor de Deus fluirá a quem estiver perto de você. Não adianta tentar fazer o trabalho da igreja sem amor. Um médico ou um advogado podem fazer um bom trabalho sem amor, mas o trabalho de Deus não pode ser feito sem amor.
- L. Moody não poderia estar mais biblicamente correto quando disse: “A obra de Deus não pode ser feita sem amor”.
A seguir, examinaremos a mais famosa mensagem de amor da Bíblia (1 Co 13).
O caminho mais excelente
É universalmente aceito que Paulo foi o maior pioneiro no trabalho missionário, o maior estudioso, professor, evangelista e herói da fé. No entanto, ele sabia que todo seu brilhantismo, sua multidisciplinaridade e dedicação sacrificial não significariam nada se ele não fosse completamente inundado pelo amor. Nenhum outro escritor do Novo Testamento falou mais sobre o amor ou mostrou mais exemplos práticos de liderança em amor do que Paulo. Por meio do ministério da vida inteira e das cartas de Paulo, Deus deu à sua igreja e a todos os seus líderes e professores um modelo de liderança em amor. Em toda a Escritura, a afirmação mais clara e enfática de que o amor é indispensável para liderar e ensinar está em 1 Coríntios 13.
Paulo escreveu essa passagem em resposta às rupturas que surgiram na igreja de Corinto por causa dos dons espirituais. Para corrigir a visão equivocada daquela igreja sobre os dons espirituais e sua conduta autodestrutiva, Paulo prometeu mostrar aos coríntios um “caminho mais excelente” para viver (1 Co 12.31). Ele queria que eles soubessem que há algo muito mais importante do que dons sobrenaturais, algo que transcende os dons e atuações mais excelentes, algo que, caso esteja ausente, tornará todos os dons inúteis. Esse algo é o amor.
O amor do qual Paulo fala começa com o amor pelos irmãos da família da fé. Esse amor foi definido por Jesus Cristo quando deu um novo mandamento para que todos os seus discípulos amassem uns aos outros “assim como” ele os havia amado (Jo 13.34-35). Esse amor se dá no total sacrifício pessoal para o bem dos outros. Jesus exemplificou esse novo padrão de amor lavando humildemente os pés dos discípulos (Jo 13.4-17) e sacrificando altruisticamente sua vida na cruz pelos outros. João expressou assim: “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos [e irmãs]” (1 Jo 3.16).
Para calar qualquer dúvida se o amor é de fato o “caminho mais excelente”, e também para abalar o pensamento errado dos coríntios sobre os dons espirituais, Paulo usa todas as suas habilidades retóricas para comunicar com eloquência e força o “caminho mais excelente” do amor. Ele escreveu: “E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1 Co 12.31 e 13.1-3).
Então, vamos analisar de perto essa passagem para entender melhor o que ela diz.
Sem amor, até mesmo a linguagem celestial soa irritante
O propósito dos dons espirituais era de edificar e unir o corpo. No entanto, o entusiasmo dos coríntios pelo dom sobrenatural das línguas causou orgulho e desordem na igreja local. Os coríntios com sua tendência de independência usavam seus dons para a satisfação pessoal do ego, o que causava divisão no corpo.
Para corrigir essa distorção, Paulo consegue captar a atenção deles imaginando-se hipoteticamente como se tivesse “o dom de línguas mais poderoso do mundo”, sendo capaz de falar eloquentemente “as línguas dos homens e dos anjos”. Um dom como esse teria impressionado muito os coríntios. Mas Paulo declara que mesmo que tivesse uma experiência tão elevada por causa de dons celestiais, ele seria como “o sino que ressoa ou como o prato que retine”, ou seja, um ruído irritante, forte e vazio, caso não agisse com amor, como descrito em 1 Coríntios 13.4-7. Sem a graça do amor, a beleza de seu discurso miraculoso seria distorcida.
Paulo não está apenas dizendo que seu discurso seria um forte ruído, mas que também seria um som oco e irritante. Ele não seria o que deveria ser, seria seriamente deficiente em sua vida cristã e não viveria de acordo com o “caminho mais excelente”. A razão de Paulo ser apenas um ruído vazio é que seu dom de línguas não estaria acompanhado de amor. Ele usaria o dom de línguas para glorificar e servir a si mesmo ao invés de servir ou edificar a igreja, que é o objetivo do amor (1 Co 8.1).
Sem amor, saber tudo não ajudará ninguém
Hipoteticamente, Paulo fala como se possuísse o dom de profecia em medida tão completa que conhecesse “todos” os mistérios e “todo” o conhecimento. Teria assim as respostas teológicas para todos os mistérios de Deus que as pessoas almejassem compreender. Ele seria uma enciclopédia ambulante de conhecimento.
Algumas pessoas adoram exibir seu intelecto e superioridade teológica. Elas se orgulham de sua capacidade de aprendizagem e oratória. Essa arrogância havia se tornado um sério problema em Corinto. Algumas pessoas eram arrogantes por causa de seu conhecimento e pretenciosas com uma percepção exagerada de sua própria importância. Queriam reconhecimento por seus conhecimentos proféticos e sabedoria superior, e desprezavam os outros com menos conhecimento e talento. Como resultado de sua arrogância, prejudicavam a igreja local (1 Co 8).
O conhecimento sem amor infla o ego e engana a mente. Pode levar à soberba intelectual e a uma atitude escarnecedora e zombadora das opiniões dos outros, a um espírito de desprezo por aqueles que possuem menor conhecimento e a uma maneira degradante de lidar com as pessoas que discordam.
Assim, Paulo afirma que mesmo que tivesse um conhecimento muito amplo, sem o amor seria “nada”, um zero espiritual. Ele insiste que um profeta, um erudito ou um professor sem amor não conseguem conduzir as pessoas à semelhança de Cristo. Apenas por meio do amor, o conhecimento pode ser usado de acordo com a “maneira mais excelente” para proteger e edificar a igreja (Ef 4.11-16).
Sem amor, a fé que assume riscos não tem valor
O terceiro dom espiritual que Paulo apresenta é a fé (1 Co 12.9). Ele se imagina possuindo o mais excelente dom da fé que se pudesse conceber, “a que remove montanhas”. Como Abraão, creria que Deus faria coisas impossíveis e confiaria plenamente nele para fazer obras milagrosas. Ele seria uma potência de oração, tomaria enormes riscos espirituais, seria um George Müller virtual, muito admirado e procurado por todos. Ele seria corajoso como Davi entrando na batalha para matar o gigante filisteu Golias (1 Sm 17.32). Mas mesmo com um dom espiritual tão poderoso, se o amor não estivesse presente, o dom se tornaria apenas um meio para glorificar a si mesmo ao invés de servir aos outros.
Não admira que Paulo declare tão enfaticamente que um dom, mesmo tão poderoso, sem amor não vale “nada”. Paulo fala disso com seriedade. Sem amor, ele sabia que seria espiritualmente infrutífero e não uma potência espiritual.
Sem amor, o líder cristão estará no caminho errado da vida cristã. Mas, quando a fé é combinada com o amor, o corpo de Cristo é edificado e avança no caminho régio, o “caminho mais excelente” do amor.
Sem amor, dar todo o dinheiro aos pobres não tem sentido
Paulo considera hipoteticamente, logo em seguida, dar todos os seus bens materiais para alimentar os pobres. Entregando tudo e se reduzindo a uma pobreza desprezível. Certamente essa seria a derradeira e mais altruística ação. Então, essa caridade não seria, por definição, amor? Não necessariamente. Paulo deixa claro que a ação mais extraordinária, com o mais extremo sacrifício pessoal, pode ser feita sem amor.
O sacrifício pessoal pode ser feito por um interesse egoísta, como ilustrado por Ananias e Safira no livro de Atos. Esse casal vendeu seus bens e deu dinheiro aos apóstolos para distribuir aos pobres (At 5.1-11). No entanto, fizeram isso sem amor. Eles não estavam realmente preocupados com as necessidades dos pobres, mas consigo mesmos. Eles não amavam a Deus ou ao próximo. Assim como os fariseus trombeteiros que Jesus condenou durante o Sermão da Montanha (Mt 6.1-5), Ananias e Safira realizaram a caridade para aumentar seu prestígio pessoal aos olhos da igreja. Eles deram para receber o louvor das pessoas. Seu amor era hipócrita (Rm 12.9). Deram aos pobres, mas sem o verdadeiro poder interior da motivação pelo amor, de modo que sua doação não lhes rendeu benefício algum. Apesar de terem dado dinheiro aos pobres, eles estavam espiritualmente sem crédito, e Deus rejeitou sua contribuição.
Paulo diz, portanto, que ainda que desse tudo que possuía aos pobres, sem o amor seria improdutivo, inútil, desprezível e sem valor eterno. Mesmo depois de tal sacrifício, seria um homem espiritualmente vazio. Não estaria servindo humildemente aos outros, mas a si mesmo.
Porém, quando alguém é movido pelo amor a fim de atender às necessidades dos pobres, dar todos seus bens traz benefícios a todos. Tão grande é esse amor que motivou o Senhor Jesus Cristo a renunciar as riquezas do céu e tornar-se pobre por nós. Por essa razão, “também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9). Jesus se doou de acordo com o “caminho mais excelente”.
Sem amor, o sacrifício supremo da vida não tem sentido
Finalmente, Paulo se imagina como o maior herói da fé. Num ato supremo de sacrifício pessoal, ele entrega seu corpo às dolorosas chamas do martírio por Cristo. Tal sacrifício certamente inspiraria outros crentes à fidelidade, a uma maior dedicação e coragem. Ele daria um poderoso testemunho do Evangelho aos não crentes. Mas Paulo nos adverte que mesmo o sofrimento e o martírio por Cristo podem ser realizados por razões impróprias.
Algumas pessoas têm muito orgulho em sofrer por sua fé. Para outros, vale a pena morrer para ser lembrado como um herói da fé. Nos primeiros anos do cristianismo, ser um mártir tornou-se, às vezes, um meio de alcançar grande fama. Um historiador comentou: “Rapidamente ficou claro para todos os cristãos que havia grande fama e honra no martírio”. Reconhecendo o potencial que existia para isso, Paulo considera necessário dizer que oferecer a vida sem amor é um sacrifício sem valor, um show religioso vazio, uma performance oca. Porém, quando é motivado pelo bem-estar dos outros e pela glória de Cristo, o martírio se torna o sacrifício máximo de amor.
Jonathan Edwards, em seu livro “Charity and Its Fruits” (Caridade e seus frutos), resume assim a perspectiva de Deus sobre o amor e o sacrifício pessoal: “[Deus] se deleita em pequenas coisas quando elas brotam do amor sincero por ele. Um copo de água fria dado com amor sincero a um discípulo vale mais aos olhos de Deus do que todos os bens dados para alimentar os pobres, sim, do que a doação de toda a riqueza de um reino ou de um corpo oferecido nas chamas, quando feitos sem amor”.
Somente quando o martírio é resultado do amor por Deus e pelos outros é que constitui o “caminho mais excelente”.
Sem amor, nossos dons mais extraordinários e nossas mais altas realizações são, em última análise, infrutíferas para a igreja e para Deus. No pensamento de Paulo, nada tem valor espiritual duradouro, a menos que provenha do amor.
Extraído de “The 15 Descriptions of Love: Applied to All Christian Leaders & Teachers” (As 15 descrições do amor: aplicações a todos os líderes e professores cristãos) de Alexander Strauch, pág. 9-18. Copyright© 2018 por Alexander Strauch. Utilizado com a permissão de Lewis e Roth Publishers. lewisandroth.com
Uma resposta
Sem amor, o sacrifício supremo da vida não tem sentido…isso já se fala por se só!