por Christopher Walker
Uma missionária irlandesa enfrenta, sozinha, o sistema de prostituição cultual na Índia resgatando vidas, uma a uma.
Amy Carmichael (1867-1951)
“Por favor, me ajude! Não me mande de volta para o templo”, gritou Preena, agarrando o pescoço da missionária. A data era 6 de março de 1901, e o local era Pannaivilai, uma vila do estado de Tamil Nadu, perto da ponta meridional da península indiana. Os gritos eram de uma criança de apenas 7 anos que acabara de fugir de um templo hindu, onde era mantida em escravidão, ao lado de muitas outras, sendo preparada para “casar-se” com os deuses – ou, em outras palavras, tornar-se uma prostituta cultual.
Preena (ou “olhos de pérola”) já tinha uma história. Vendida ao templo pela própria mãe, tentara fugir duas vezes. Com apenas 5 anos, conseguiu percorrer mais de 30 km sozinha e voltar para a família. A guardiã do templo chegou logo atrás, e a mãe, com medo de incitar a ira dos deuses, desprendeu à força os braços da filha que a agarravam desesperadamente e a devolveu à sua carrasca. Depois da segunda fuga, Preena teve as duas mãos marcadas por um ferro incandescente.
Amy Carmichael, uma missionária irlandesa que chegara à Índia havia seis anos, estava apenas de passagem naquela aldeia. Seu encontro com essa menina fugitiva mudou o rumo de sua vida para sempre e abriu o caminho para o resgate de centenas de meninas e meninos de uma vida de sofrimento e degradação ou, até mesmo, de uma morte precoce. Preena foi adotada por Amy como a primeira criança da Comunidade Dohnavur, e, dali em diante, todas as viagens e demais atividades missionárias foram colocadas em segundo plano. Até sua morte, 50 anos depois, Amy se dedicaria apaixonadamente a esse trabalho, não o abandonando nem uma única vez, sequer para visitar seu país natal.
Nascida em Millisle, uma pequena vila no norte da Irlanda, filha de pais presbiterianos, uma de suas primeiras experiências espirituais, curiosamente, foi uma oração não respondida. Com apenas 3 anos, depois de aprender que Deus faz milagres em resposta à oração, Amy resolveu colocar a lição em prática: orou para que seus olhos castanhos fossem trocados por azuis, iguaizinhos aos de sua mãe! No dia seguinte, cheia de fé, acordou e foi diretamente ao espelho para ver a resposta. Qual não foi sua decepção quando viu que nada havia mudado! “‘Não’ também é uma resposta”, explicou a mãe.
Foi só muitos anos mais tarde, na Índia, que Amy entendeu o porquê dessa resposta negativa. Depois de ouvir histórias chocantes sobre o que acontecia com as meninas que eram levadas para o templo, Amy quis descobrir por si mesma a verdade. Para não chamar a atenção, ela escureceu a pele com pó de café e colocou trajes indianos. Ao vê-la, uma amiga exclamou: “Que bom que você tem olhos castanhos, Amy! Se tivesse olhos azuis, jamais passaria como indiana!”.
Foi assim que, sozinha, sem nem mesmo o apoio de alguns colegas missionários, Amy começou a invadir os recintos escuros dos templos indianos e enfrentar o poderoso sistema maligno que imperava ali desde o século 6. A conta-gotas, resgatando uma criança aqui, outra ali, ora roubando uma do próprio templo, ora adotando outra antes mesmo de ser vendida ou oferecida pelos pais ou por algum outro parente, a Comunidade Dohnavur foi abrindo os braços e ampliando os espaços. Enfrentando a ira dos sacerdotes, das zelosas guardiãs ou dos parentes, Amy tornou-se conhecida na região como a “raptora de crianças”; para as meninas da Comunidade Dohnavur, porém, ela era Amma, ou “mãe”, na língua tâmil.
Houve casos em que precisou “sumir” com a criança para que não fosse retirada à força. A menina Kohila, por exemplo, foi entregue a Amy pela própria família aos 4 anos de idade. Alguns meses depois, porém, mudaram de ideia e voltaram para devolvê-la ao templo. Amy sabia que isso seria condená-la para uma vida de sofrimento e abuso e pediu “um tempo”. Imediatamente, mandou Kohila secretamente para um local distante.
A família entrou com processo de sequestro contra a missionária. A pena seria sete anos na prisão. Todos na comunidade oraram, mas Amy estava disposta a enfrentar o resultado. Poucos dias depois, inexplicavelmente, chegou um telegrama avisando que todas as acusações haviam sido canceladas! Jamais descobriram como isso aconteceu. Quando tudo estava tranquilo, Kohila foi trazida de volta e, depois de adulta, tornou-se enfermeira na equipe da Comunidade.
Durante os 50 anos de ministério da Amy Carmichael na Comunidade Dohnavur, mais de mil meninas e meninos (que eram escravizados também, embora em menor número) foram resgatados e adotados. A comunidade existe até hoje[i].
Durante todo esse tempo, Amy enfrentou obstáculos enormes, não só do sistema pagão. Desde jovem, sofreu de neuralgia, doença que causa dores em todo o corpo e que a deixava de cama por dias e até semanas. Depois, em 1931, aconteceu algo ainda mais inexplicável: aos 64 anos de idade, ela caiu num buraco de construção, lesionando permanentemente a espinha. Durante os últimos 20 anos de sua vida, praticamente não conseguiu sair do quarto.
No entanto, foi exatamente nesse período que Amy pôde escrever vários livros, relatando suas experiências na Índia e descrevendo os abusos a crianças nos templos pagãos. Como resultado dessa divulgação, houve pressão internacional que levou a Índia a aprovar leis em 1948 proibindo a prostituição cultual. Ao todo, Amy escreveu mais de 35 livros.
Da fraqueza, Deus tirou força; da compaixão e da fidelidade, o poder para quebrar jugos considerados insuperáveis! É assim que o reino de Deus avança poderosamente e vence o reino das trevas.
[i] Veja o site http://dohnavurfellowship.org.in/
Uma resposta
Excelente testemunho!
O site correto é este aqui: http://dohnavurfellowship.org/