Por John Ortberg
Hoje em dia, quase nem se fala em chamado. É mais comum pensar em termos de carreira profissional. No entanto, para muita gente, a profissão se transforma em altar, sobre o qual sacrificam a vida. Benjamin Hunnicutt é historiador da Universidade de Iowa, especializado em história do trabalho. Ele observa que o trabalho se tornou uma religião, objeto de adoração e dedicação de nosso tempo. À medida que o compromisso com a família, a comunidade e a fé encolhem, as pessoas começam a se voltar para o trabalho, na esperança de que este lhes proporcione sentido, relacionamentos, identidade e estima.
O chamado, que implica fazer algo para Deus, é substituído por uma carreira profissional, a qual ameaça assumir o papel de deus. A profissão eu escolho; o chamado eu recebo. Exerço uma profissão para mim mesmo; o chamado é algo que faço para Deus. A profissão me promete status, dinheiro ou poder; em geral, o chamado promete dificuldades e até certo sofrimento – além da oportunidade de ser usado por Deus. Profissão diz respeito à mobilidade ascendente; chamado costuma levar à mobilidade descendente.
Logo que ingressei no ministério pastoral, as pessoas às vezes me perguntavam quando eu havia recebido “o chamado”, como se atuar na igreja exigisse um chamado, ao passo que uma ocupação no mercado de trabalho apenas fizesse parte de uma carreira profissional. Mas não é assim. Sei muito bem que é possível transformar o trabalho na igreja em uma carreira profissional com progressos e conquistas. Também é possível fazer do emprego secular um chamado, quando realizado para servir a Deus e aos outros.
A carreira profissional pode acabar em aposentadoria e uma porção de “brinquedos”. O chamado só termina quando se morre. As recompensas da carreira profissional podem ser visíveis, mas temporárias. A importância de um chamado dura toda a eternidade. A carreira profissional pode ser interrompida por uma série de acontecimentos – mas não o chamado. Quando Deus chama alguém, ele o capacita a cumprir seu chamado mesmo sob as circunstâncias mais adversas.
As Escrituras estão cheias de pessoas escravizadas, capturadas e exiladas, lançadas na prisão. A trajetória profissional dessa gente não parecia promissora. Mesmo assim, cumpriram seu chamado de maneira extraordinária.
O faraó tinha uma carreira profissional – Moisés, um chamado. Potifar tinha uma carreira profissional – José, um chamado. Hamã tinha uma carreira profissional – Ester, um chamado. Acabe tinha uma carreira profissional – Elias, um chamado. Pilatos tinha uma carreira profissional – Jesus, um chamado.
E não só as personagens das Escrituras.
Charles Colson estava no meio de uma das carreiras profissionais de maior notoriedade dos Estados Unidos. Tinha acesso ao poder, desfrutava enorme influência. Até que foi parar na prisão. Achou que sua carreira chegara ao fim – e, de certa forma, tinha razão. Sua carreira profissional terminara de fato – mas seu chamado estava apenas começando. Seria chamado para servir a homens na cadeia, como ele. Para servir a uma nação inteira com seus dons e sua ruína.
Ele pondera: “Meu maior fracasso foi o real legado de minha vida – o fato de me tornar um ex-condenado. Minha maior humilhação – passar pela cadeia – marcou o momento em que Deus começou a usar minha vida grandemente; ele escolheu, para sua glória, a experiência da qual eu não podia me gloriar”.
Às vezes, na providência de Deus, o fim de uma carreira é o começo de um chamado. E você tem um chamado. Ninguém é uma peça que não serve para nada – você está em missão divina.
Extraído de “Venha Andar Sobre as Águas”, John Ortberg, Ed. Vida, 2002.