Por: Philip Yancey
Não faz muito tempo, estava lendo Mateus, quando percebi assustado que o próprio Jesus previu a exata situação desagradável de ser esquecido depois que fosse embora. Quatro parábolas no final de Mateus, entre as últimas que Jesus contou, têm o tema comum escondido na cena de fundo. Um proprietário deixa a sua casa vazia, um senhor de terras ausente coloca seu servo como responsável, um noivo chega tão tarde que os convidados ficam sonolentos e adormecem, um senhor distribui talentos entre os seus servos e parte — todas elas circulam ao redor do tema do Deus que partiu.
Na verdade, as histórias de Jesus antecipavam a questão central da era atual: “Onde está Deus agora?”. A resposta de hoje, de pessoas como Nietzsche, Freud, Marx, Camus e Beckett, é que o senhor das terras nos abandonou, deixando-nos livres para estabelecer nossas próprias regras.
Deus absconditus. Em lugares como Auschwitz e Ruanda temos visto versões vivas daquelas parábolas, exemplos impressionantes de como alguns vão agir quando deixarem de crer num soberano senhor da terra. Se não existe Deus, como disse Dostoievski, então tudo é permissível.
Continuando a ler, chego a uma parábola, a da ovelha e dos bodes, talvez a última que Jesus ensinou (Mt 25.31-46). Eu conhecia bem essa parábola. Ela é forte e perturbadora como tudo o que Jesus dizia. Mas nunca antes havia percebido sua conexão lógica com as quatro parábolas que a precedem.
De duas maneiras a parábola das ovelhas e dos bodes responde diretamente às perguntas suscitadas pelas outras: a questão do senhor de terras ausente, o Deus desaparecido. Primeiro, dá um vislumbre do retorno do senhor de terras no dia do juízo, quando haverá inferno para castigar — literalmente. Quem partiu vai retornar, dessa vez em poder e glória, para ajustar contas por tudo o que aconteceu na terra. “Varões galileus”, disseram os anjos, “por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.”
Segundo, a parábola refere-se ao período intermediário, o intervalo de duração de séculos em que vivemos agora, o período em que Deus parece ausente. A resposta a essa questão moderna é ao mesmo tempo profunda e chocante. Deus não se ocultou de maneira nenhuma. Antes assumiu um disfarce, o mais inverossímil disfarce dos estrangeiros, dos pobres, dos famintos, dos prisioneiros, dos enfermos, dos maltrapilhos da terra: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Se não podemos detectar a presença de Deus no mundo, pode ser que tenhamos procurado nos lugares errados.
Comentando essa passagem, o grande teólogo americano Jonathan Edwards disse que Deus designou os pobres como seus “cobradores”. Uma vez que não podemos expressar nosso amor fazendo alguma coisa que beneficie a Deus diretamente, Deus quer que façamos alguma coisa proveitosa para os pobres, que têm a incumbência de receber o amor dos cristãos.
Uma noite eu estava distraidamente mudando de canal na televisão quando deparei com o que parecia ser um filme para crianças, estrelado pela jovem Hayley Mills. Acomodei-me e comecei a assistir ao desenrolar do enredo. Ela e dois amigos encontraram, ao brincar num celeiro, um vagabundo (Alan Bates) a dormir na palha.
— Quem é você? — Mills perguntou.
O vagabundo despertou de repente e, vendo as crianças, murmurou:
— Jesus Cristo!
O que ele usou como exclamação, as crianças interpretaram como resposta. Na verdade creram que o homem era Jesus Cristo. No restante do filme (O Vento Tem Seus Segredos), trataram o vagabundo com admiração, respeito e amor. Trouxeram-lhe alimento e cobertores, assentaram-se e conversaram com ele, e lhe falaram acerca de suas vidas. Com o correr do tempo a ternura delas transformou o vagabundo, um fugitivo condenado que nunca havia recebido tanta bondade antes.
A mãe de Mills, que escreveu a história, pretendia que ela fosse uma alegoria do que poderia acontecer se todos aceitássemos literalmente as palavras de Jesus acerca dos pobres e necessitados. Servindo-os, servimos a Jesus. “Somos uma ordem contemplativa”, madre Teresa disse a um rico visitante americano que não conseguia compreender seu veemente compromisso com a ralé de Calcutá. “Primeiro meditamos sobre Jesus, depois saímos e o procuramos disfarçado.”
Quando reflito acerca da última parábola de Mateus 25, conscientizo-me de que minhas interrogações acerca de Deus são na realidade interrogações bumerangues que voltam diretamente para mim. Por que Deus permite que bebês nasçam nos guetos do Brooklyn e junto a um rio da morte em Ruanda? Por que Deus permite prisões, asilos para desabrigados e campos de refugiados? Por que Jesus não acabou com as desordens nos anos em que viveu aqui?
De acordo com essa parábola, Jesus sabia que no mundo que deixou para trás estariam presentes os pobres, os famintos, os prisioneiros, os doentes. O estado decrépito do mundo não o surpreendeu. Fez planos para conviver com ele: um plano a longo prazo e um plano a curto prazo. O plano a longo prazo implica sua volta, em poder e grande glória, para endireitar o planeta Terra. O plano a curto prazo significa entregá-lo aos que vão finalmente introduzir a libertação do cosmo. Ele subiu ao céu para que pudéssemos tomar o seu lugar.
“Onde está Deus quando sofremos?”, tenho perguntado com freqüência. A resposta é outra pergunta: “Onde está a igreja quando alguém sofre?”.
Extraído do livro “O Jesus Que Eu Nunca Conheci” de Philip Yancey.
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