Christopher Walker
Num país em que a grande maioria da população se diz cristã (entre católicos e evangélicos), por que ainda vemos tanta injustiça em todas as áreas, desde a miséria econômica das grandes massas, passando por violência contra crianças, mulheres e indivíduos indefesos, e chegando a corrupção e desonestidade, tanto em esferas governamentais e empresariais, quanto em igrejas e cidadãos comuns?
Além da resposta óbvia de que nem todos os que se dizem cristãos o são de fato, o que mais nos deve incomodar é que a Igreja que cresce e marca cada vez mais sua presença na sociedade aparentemente não consegue melhorar esse quadro. Ao invés de ser sal e luz, precursores de um reino superior de paz e justiça para todos, somos vistos como mais um grupo que defende sua agenda de interesse próprio.
A igreja primitiva apresentava um quadro bem diferente. Ao mesmo tempo em que incitava forte perseguição da parte dos líderes religiosos e civis, os primeiros discípulos caíam “na simpatia de todo o povo” (At 2.47). Havia algo contagiante em sua forma de viver: além de anunciar as boas-novas, demonstravam o amor de Deus por sinais e maravilhas e pela distribuição de recursos materiais. Não havia tensão entre evangelização e obras sociais, pois as duas coisas apontavam igualmente para o reino vindouro.
O desafio hoje é este: como podemos, no século 21, mudar essa imagem de um clube exclusivista, interessado somente em servir a si mesmo?
De acordo com Timothy Keller, autor do livro Justiça Generosa (Ed. Vida Nova), a Igreja precisa se envolver com gente de fora do círculo imediato para realizar projetos de alcance mais amplo. “Quando os cristãos fazem evangelismo”, ele escreve, “só podem contar com o apoio e compreensão de outros cristãos. Mas, quando buscam fazer justiça no mundo, geralmente descobrem que é necessário e desejável trabalhar com pessoas que não partilham da mesma fé. Os cristãos preocupados […] em promover algum tipo de reforma social […] encontrarão muitos aliados dispostos a colocar a mão na massa com eles”.
Para isso, ele exorta, nosso esforço por justiça deve ser caracterizado por “cooperação humilde e provocação respeitosa”. Somos muito tentados a não ser humildes e a não cooperar com quem pensa de modo diferente. O grande desafio, tão distante da mentalidade comum de limitar-se a apenas uma faceta da verdade, é encontrar na Bíblia princípios que se identificam com o foco da esquerda no bem-estar comum e, também, aqueles que confirmam a ênfase da direita nas liberdades individuais. Devemos buscar justiça em cooperação com uns e outros apelando, sempre que possível, aos valores comuns que existem potencialmente em todos os homens. Assim, conseguiremos nos envolver, de forma aberta e isenta, com tudo aquilo que realmente contribui para corrigir males e injustiças na sociedade, sem nos limitar a qualquer filosofia ou movimento particular.
Porém, além da cooperação humilde, devemos também ser respeitosamente provocativos, pois o conhecimento de Deus nos dá condições de detectar as falhas e limitações que existem em todos os conceitos e partidos humanos. “Os cristãos não precisam ser estridentes e condenatórios em linguagem ou atitude”, conclui Keller, “mas também não devem se calar a respeito das raízes bíblicas de sua paixão por justiça.” Cooperar não significa concordar passivamente com tudo o que é falado ou praticado nos projetos que apoiamos. Se demonstrarmos interesse pelas causas que afetam diretamente a vida das pessoas, elas estarão muito mais abertas para entender o que temos a oferecer.