21 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Impacto Mirim-Marcas Que Não se Apagam-Onça Pintada

“Impacto Humano: Criação em Perigo de Extinção”
“Marcas Que Não se Apagam” – Onça-pintada

Era uma sala de visitas enorme – na verdade, a maior que eu já tinha visto. Assim que entrei de mãos dadas com o meu avô, achei que a pessoa que morava naquela casa era um pouco estranha… A empregada perguntou se queríamos beber alguma coisa enquanto esperávamos o Seu Valdemir, um conhecido do vovô que estava para chegar. Na verdade, nem lembro o que respondi, porque não conseguia tirar os olhos das paredes.

Em uma delas, havia uma cabeça de veado-campeiro pendurada como se fosse um quadro. Os chifres eram perfeitos, e os olhos pareciam de verdade! Em outra parede, havia uma prateleira cheia de objetos feitos de couro de jacaré, pele de jibóia, dentes de piranha e coisas assim…

Porém, o que mais me chamou a atenção foi um enorme tapete de quase dois metros que ficava bem no meio da sala. Aquele lindo tapete cheio de pintas pretas mostrava o poder do terceiro maior felino do mundo: a onça-pintada! E poderia ser o corpo de um grande macho! Meu avô sempre me contava que, lá na região, eram encontradas as maiores onças-pintadas do Brasil. Algumas pessoas já tinham visto machos pesando quase 120 quilos! O legal é que as manchas pretas são praticamente o nome da onça. Não existem duas onças iguais! E meu avô me falava que aqueles animais solitários e que gostam de caçar à noite têm uma mordida muito forte; a mordida da onça-pintada é a mais poderosa entre seus parentes felinos.

Aquela sala era incrível! E aquele homem só poderia ser um artista – e dos bons! Afinal, eu sempre tinha passado as férias no Pantanal e conhecia bem os animais de lá. Tudo parecia tão real!

Enquanto eu olhava para cada detalhe daquele lugar maravilhoso, a porta se abriu de repente… Foi quando me virei para trás e vi um homem de chapéu de couro, botas sujas de lama e espingarda na mão. Aquele homem não era um artista, mas um caçador! Seu Valdemir cumprimentou meu avô, me deu um tapinha nas costas e começou a reclamar por não ter conseguido matar “a danada da onça”!

Disse que ela tinha conseguido fugir da fazenda tão rápido que o novo tapete da sala ficaria para a próxima vez… E, todo orgulhoso, apontou para a imensa pele de onça-pintada estendida no chão. Para ele, matar um animal tão forte era uma vitória. Afinal, não era todo dia que se caçava o maior predador do Pantanal: a onça-pintada. E muitos caçadores matavam onças apenas para mostrar como eram valentões.

Quando eu ouvi aquelas palavras, não acreditei. Então, aquilo tudo era mesmo de verdade? Aquelas peças não eram obras de arte, mas troféus de um caçador profissional? E aquele tapete lindo não era feito de tecido, mas da pele de um animal selvagem e poderoso?
Puxei meu avô e lhe disse que eu queria ir embora. Sem entender direito o que estava acontecendo, vovô se despediu do Seu Valdemir, dizendo que continuariam a conversar depois, e saímos de lá.

Durante o caminho de volta à fazenda do vovô, comecei a lhe fazer várias perguntas. Por que ele conversava com um homem que sentia alegria em matar animais selvagens tão importantes como a onça-pintada? Afinal de contas, meu próprio avô tinha me ensinado que a onça-pintada é o animal que controla o tamanho das populações de capivaras, jacarés, queixadas e veados, por exemplo. Quando a onça se alimenta desses animais, ela ajuda a manter tudo equilibrado: não existem animais a menos nem a mais, mas na medida certa que Deus determinou. E, se a onça continuar sendo caçada e desaparecer, as populações de vários animais dos quais ela se alimenta podem aumentar muito, começar a competir pelo espaço e pelo alimento e desequilibrar o Pantanal inteiro!

Como alguém poderia ser tão malvado a ponto de matar animais que não atacam ninguém e só querem sobreviver? Havia pessoas que simplesmente matavam por matar? Com 14 anos, eu já sabia muito bem que animais não são bolas, e que matar não é um esporte! Mas não sabia que existiam pessoas como o Seu Valdemir… Não no Pantanal pelo menos.

Para mim, o Pantanal sempre foi um lugar perfeito, cheio de plantas de todos os tipos, cores e tamanhos, morros, florestas, pântanos, campos imensos que pareciam tapetes naturais, animais grandes e fortes, animais pequenos, animais delicados, aves coloridas e muita, muita água… Eu sempre achei que Deus tinha escolhido o Pantanal para montar um lindo espetáculo para as pessoas. É como se Ele tivesse misturado um pouquinho de cada parte bonita do Brasil num só lugar, jogado bastante água para dar um toque especial e criado um show para os nossos olhos! Para mim, o Pantanal mostrava a bondade de um Deus supercriativo! E no meio de tanta beleza, como havia pessoas como o Seu Valdemir?

Foi então que o meu avô começou a me explicar algumas coisas. Ele me disse que as onças não eram tão boazinhas quanto eu imaginava. Segundo o vovô, elas invadiam as fazendas e caçavam o gado dos fazendeiros de propósito! Mas não poderia ser… Na hora, eu me lembrei de quando eu era menor, e não havia tantos rebanhos perto da fazenda do vovô. Mas as onças-pintadas já moravam no Pantanal! Disso eu me lembrava muito bem! Então, por que matá-las por matar?

Eu sabia que a onça é um animal que precisa de bastante espaço para caçar, viver bem e ter filhotes. Por isso, é tão difícil vê-la na natureza. Mas o espaço da onça está diminuindo por causa das fazendas de gado e das pessoas que destroem as plantas, os rios e os animais. Os fazendeiros enfiam rebanhos bem no meio do espaço onde elas vivem e querem que as onças morram de fome? Todos têm direito de viver lá no Pantanal! Será que os fazendeiros e as onças não poderiam conviver melhor?

Todo mundo pode ter fazendas, plantações, criar gado e aproveitar as maravilhas que Deus criou. Mas eu não entendo por que os homens sempre exageram… Por que eles precisam derrubar tantas árvores, matar tantos animais e sujar tanto o planeta só para ganhar dinheiro? Toda a criação precisa viver de algum jeito: os homens, as plantas e os animais. Até mesmo quando as onças atacam (de vez em quando) algum rebanho que está no caminho delas, elas só estão tentando sobreviver! Não “roubam” o alimento de ninguém de propósito e não são malvadas! Se os fazendeiros e as pessoas não matassem por matar e cuidassem mais da natureza, ninguém precisaria passar fome! O vovô precisava enxergar isso.

Assim, decidi que era hora de termos uma conversa séria: de homem para homem; de neto para avô! No caminho, vi um lugar perfeito: tinha um tronco de árvore caído no chão e algumas árvores altas que davam sombra. Parecia uma florestinha no meio do campo. Então, chamei o vovô para pararmos um pouquinho. Porém, assim que me sentei no tronco, olhei para o vovô e percebi que ele estava branco igual a uma folha de papel. Durante uns dois segundos que pareceram duas horas, ele ficou de pé, bem na minha frente, sem se mexer, olhando para alguma coisa que parecia estar alguns metros atrás de mim. Logo depois, ouvi os passos apressados de um animal e, quando me virei para trás, já não tinha mais nada. Depois do susto, meu avô me contou que era uma onça-pintada – e das grandes. Talvez, ela estivesse descansando debaixo de uma daquelas árvores quando chegamos e tinha se assustado com o barulho que fizemos. Ao perceber que estávamos lá, apenas olhou para o vovô e fugiu… É claro que a onça poderia ter me atacado facilmente já que eu estava sentado de costas para ela e era bem menor do que ela. Poderia até ter matado o vovô e eu se quisesse ou fosse tão malvada! Mas preferiu fugir e viver como Deus determinou – e Deus não incluiu humanos no cardápio das onças! Depois daquilo, não precisei dizer nada. A rápida troca de olhares entre meu avô e aquele animal forte e maravilhoso falou mais alto do que todas as palavras que eu pensava dizer.

Agradeço ao Instituto Pró-Carnívoros (www.procarnivoros.org.br): em especial, à médica veterinária Cynthia Elisa Widmer, e ao Instituto Onça-Pintada (www.jaguar.org.br): em especial, à médica veterinária Mariana Furtado, ao biólogo Leandro Silveira e à psicóloga Flávia Santos por terem me cedido muitas informações.

Renata Balarini Coelho é bacharel em Letras formada pela Unicamp e trabalha como escritora, tradutora e revisora. Atua na pregação e no ensino da Palavra de Deus na igreja Casa de Oração Vivendo em Cristo – Casa dos Milagres, na cidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

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