22 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Lidando com as Tempestades da Vida

Por James S. Stewart (1896 – 1990)

“…Mestre, não te importa que pereçamos?” (Mc 4.38).

Essa é a grande pergunta em nosso mundo confuso e desnorteado, abalado por tempestades incessantes de convulsões internacionais. O que o mundo deve fazer quando o Deus que o criou parece deixá-lo à sua própria sorte? Ou, neste campo mais pessoal em que temos de viver, o que qualquer homem ou mulher deve fazer diante dos problemas insolúveis e dolorosos da vida? O que você deveria dizer nos dias de angústia, quando o céu parece indiferente ao seu clamor? “Não te importa que pereçamos?”

Os discípulos estavam em meio a uma tempestade, e a primeira coisa que observo é muito significativa: a tempestade os atingiu enquanto eles obedeciam aos mandamentos do seu Mestre. Foi Jesus o primeiro a entrar no barco naquela noite. Foi Jesus quem sugeriu: “Vamos para o outro lado”. E logo depois a tempestade os atingiu.

Isso não é estranho? Se eles estivessem no mar contra a vontade de seu Mestre; se quisessem navegar e ele dissesse: “Não! É loucura sair esta noite, vamos esperar até de manhã”; se, apesar disso, tivessem insistido em arriscar – aí, sim, poderíamos entender melhor a tempestade. Poderíamos dizer que os discípulos só receberam o que mereciam.

Suponha que uma nação desafie a vontade de Deus. Nesse caso, ela tem o direito de reclamar se sofrer terríveis tragédias? “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem [uma nação] semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). Esse tipo de situação é muito fácil de entender.

Mas o caso em questão foi diferente. Aqui Jesus era o responsável. Foi ele quem sugeriu atravessar o mar durante a noite. E foi enquanto lhe obedeciam que a tempestade irrompeu sobre eles.

Você vê a verdade por trás disso? Há tempestades que você poderá encontrar mesmo no caminho do dever e da obediência. Existem problemas para os quais bondade e integridade não oferecem imunidade. Ser cristão (uma nação cristã ou um discípulo cristão) não é um seguro contra a calamidade.

Cristo não veio ao mundo para nos manter seguros: ele veio para nos manter leais. Todos os santos testemunharam esse fato – desde o tempo de Paulo e Pedro, que foram mortos por Nero, até o de Dietrich Bonhoeffer, que foi executado por Hitler. Jesus nunca disse: “Entre no barco comigo que eu lhe garantirei mares tranquilos durante todo o caminho”. O que ele disse foi: “Navegue comigo e, mesmo no mar mais tempestuoso, levarei você ao porto desejado”. Exorto você, portanto, para o seu conforto e para desafiá-lo, a ponderar esse aspecto da história: quando os discípulos foram lealmente obedientes, encontraram o pior vendaval de suas vidas.

Confiança nos braços do Pai

E, depois, veja isto: Cristo está dormindo! Você já parou para pensar nisso? Jesus provavelmente estava muito exausto e cansado para conseguir dormir durante uma noite como essa! Certamente, a imagem de Cristo dormindo na tempestade demonstra, de modo comovente, a frase impactante do evangelista quando descreveu a tensão dos dias agitados de Jesus: “porque dele saía poder” (Lc 6.19), e: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8.17). Portanto, aqui vemos o sono da exaustão total.

Claro que não era apenas cansaço. Era uma demonstração de confiança. Era a serenidade da confiança de um filho no pai. Era a certeza de que as águas tumultuadas eram apenas a cavidade da mão de seu Pai, e que embaixo estavam seus braços eternos. E, se soubéssemos disso também, nesses dias violentos e assustadores, e confiássemos nele, nossos corações temerosos poderiam experimentar a mesma forte e inefável serenidade de Jesus. “…aos seus amados ele o dá enquanto dormem…” (Sl 127.2).

Nossa única esperança

Agora, olhando para aquela figura adormecida, eu me pergunto: no que os discípulos estavam pensando? Eles eram marinheiros experientes. Haviam vencido o mau tempo inúmeras vezes. Mas aquela não foi uma tempestade comum. Dessa vez, o terror do abismo os tomou em suas garras. Sentiram dramaticamente que a morte estava no mar. E Jesus estava dormindo no meio de tudo isso! Ele foi quem os trouxera até ali, quem lhes dissera para sair e atravessar o mar – e lá estava ele, dormindo, desligado e indiferente.

Entretanto, isso não era bom o bastante. Não era certo que ele dormisse. Ele os colocou nessa enrascada, que ele os tirasse agora!

Nesse momento, uma onda maior do que nunca atingiu o barco e o fez cambalear, e Pedro, puxando furiosamente as cordas, olhou para João. “Cara, não fique tremendo aí! Acorde Jesus! Faça com que ele desperte. É a nossa única esperança: acorde Jesus!”

E nós que acreditamos na oração, em meio ao tumulto do mundo hoje, será que já chegamos a isso? Houve um dia, 450 anos atrás, quando Savonarola, do nobre exército de mártires, estava pregando na grande Catedral de Florença. “Senhores”, ele exclamou, “a luz da fé está sendo extinta; a alma da igreja está perecendo. A arca do Senhor está afundando. As ondas de incredulidade a dominam. As ondas de tribulação a inundam… Senhores”, ele gritou, “o que devemos fazer? O que podemos fazer?” E, então, com um grande brado que assustou a Catedral e preanunciou a Reforma, ele trovejou: “Acorde Cristo! Acorde Cristo!”

Portanto, pergunto novamente, já chegamos a esse ponto? Com os poderes políticos atormentando o mundo, e o domínio de grupos criminosos internacionais, no meio de uma tempestade feroz e imprevisível de cinismo e ódio esmurrando o frágil barco das nossas esperanças e sonhos, e zombando de nossa visão do reino de Deus – já chegamos a esse ponto? Já concluímos que Cristo é realmente a nossa única esperança? Que a única chance de qualquer um de nós passar por essa vida assustadoramente complicada é convidá-lo para entrar em ação ao nosso lado?

Portanto, tome uma atitude, invoque-o agora. Acorde Cristo! Você descobrirá que ele esteve acordado e vigilante o tempo todo. “Ele não permitirá que os teus pés vacilem; não dormitará aquele que te guarda. É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel” (Sl 121.3-4).

Ali no barco, Jesus olhou para o rosto de seus discípulos aterrorizados. “Mestre, você não se importa que vamos morrer? Não faz diferença que venhamos a nos afogar?” Que pergunta! Que vergonha para os lábios que a proferiram!

Deus se importa?

Até hoje fazemos a mesma pergunta. Não são apenas as vozes desses discípulos que você ouve; ao longo dos séculos, uma imensa multidão de pessoas, perplexas com a vida, abaladas pelos ventos de tempestade, devastadas pelos mistérios do mal e do sofrimento, tem dado vazão a um grito desesperado saindo do interior: “O Senhor não se importa? Deus no céu, não significa nada que venhamos a perecer?”

“Só há uma coisa”, disse um soldado que estava no hospital em estado grave para o padre que o estava visitando, sem disfarçar a amargura em sua voz, “só há uma coisa que quero ouvir agora. Não estou interessado em qualquer outra coisa além desta: Deus se importa comigo?”

Há inúmeras pessoas fazendo a mesma pergunta. Aqui está uma delas, um cristão que foi membro de igreja durante toda a sua vida. Ele trabalha com uma teologia simples e particular. Mas ele está começando a se perguntar se é tudo um mito e um autoengano. Pois a história contemporânea não contradiz todo o seu conjunto de convicções? Toda essa maldade tomando conta do mundo, esse ateísmo descarado, como Deus pode permitir tudo isso? “Será que Deus se importa?”

Aqui está outro homem com problemas mais pessoais. Sua vida já foi muito promissora, com um futuro radiante; de repente, chegou a calamidade, seu sonho foi destruído e o cálice do desejo do coração se espatifou em milhares de cacos aos seus pés. Ali está ele entre as ruínas de sua vida. “Será que Deus se importa?”

Também temos uma mulher com um problema psicológico, nervosismo e depressão. Ela não vê nenhuma razão para isso, mas o problema continua estragando tudo com sua intratável neurose e desajuste, tornando sua vida uma miséria. Ela se pergunta: “Como isso vai acabar?” “Se você olhar por muito tempo para um abismo”, disse Nietzsche, “o abismo também olhará para você”. É exatamente assim que ela se sente, com um grito que vem das profundezas de sua mente: “Será que Deus se importa?”

Aqui está mais uma pessoa, cujo problema não é o imenso fracasso ou a profunda depressão, mas o poder do pecado, a garra, o ferrão e a tirania dele, destruindo suas resoluções, vencendo seus votos, fazendo caos de suas esperanças. “Ó miserável homem que sou, quem me livrará?” “Será que Deus se importa?”

Também temos uma pessoa para quem o verdadeiro demolidor da fé é o fator biológico da morte. “A erva seca, e cai a flor… Na verdade o povo é erva” (Is. 40.7). “…Embora nosso homem exterior pereça…”, declara Paulo (2 Co 4.16). Esta é a verdade inexorável: “perecer”. E “não te importas que pereçamos?”.

Quantas multidões estão fazendo a mesma pergunta!

De fato, qual de nós não fez essa pergunta, em uma ocasião ou outra? Num mundo em que o mistério do mal e o problema do sofrimento ainda estão envoltos em obscuridade, mesmo depois de tudo o que os santos, os filósofos e os teólogos fizeram ao longo de dois milênios para elucidá-los; num mundo que é tão extremamente indiscriminado em relação ao bem e ao mal que pode juntar, no mesmo Calvário, o Cristo, o seu melhor, e dois ladrões, o seu pior, em total e terrível desrespeito à infinita diferença entre eles; num mundo em que Herodes e Nero triunfam e os inocentes morrem, em que há tantas coisas inexplicáveis e sem sentido, cruéis e injustas; neste tipo de mundo, será que alguém, em algum momento, não tenha feito a pergunta: “Será que Deus se importa?”.

“Mestre”, exclamaram os discípulos, impondo suas mãos calejadas em Jesus, “Mestre, você nos trouxe aqui, e não se importa que pereçamos?”.

Cristo está conosco

Mas é hora de chegarmos à resposta do Senhor. A essa veemente reclamação, Cristo respondeu duas coisas, duas coisas tão relevantes hoje quanto o foram naquela época.

A primeira foi esta: “Onde está sua fé?”. Ou, explicando melhor: “Não basta saber que estou aqui ao seu lado na tempestade”?

Conta-se que uma vez uma embarcação romana, um navio de guerra, com César a bordo, encontrou uma terrível tempestade no mar. De acordo com o relato, nenhum marinheiro estava com medo. “Navegue firme”, gritou o capitão, “o navio que está com César a bordo não pode afundar!” No caso dele, era pura ilusão, porém quando se trata do Filho de Deus não é. A doutrina cristã da Encarnação significa que o navio da humanidade está com Cristo a bordo e não pode ser afundado.

É uma coisa afirmar (como alguns o fazem com amargura e autocomiseração): “Estamos todos no mesmo barco, pobres criaturas humanas neste pavoroso caos atribulado”. É outra bem diferente quando podemos dizer: “Estamos no mesmo barco com Jesus”. E isso é verdade. Ele já passou por tudo isso, está passando pela nossa situação ao nosso lado agora. Ele sabe tudo sobre todas as tribulações – porque já as experimentou!

Certa vez, um homem foi preso politicamente por uma acusação injusta e fabricada; era um homem absolutamente inocente. Ficou na prisão por anos e, quando foi libertado, seus amigos demonstraram compaixão e solidariedade. Porém, ele disse aos amigos: “Não quero sua simpatia, não vai me ajudar em nada; a única pessoa que poderia me ajudar seria alguém que tivesse passado pelo mesmo inferno em que eu estive”.

O que o Evangelho proclama é que existe precisamente essa pessoa: o Deus que se revelou em Cristo, o Filho. “Ele desceu às partes mais baixas da terra [inferno]”. Deus já esteve lá. Essa é a cruz.

Esta é uma grande parte da luz cristã sobre o problema do sofrimento. Não somos informados por que o sofrimento vem. Não recebemos a promessa de sermos isentos dele. Não encontramos uma teoria redondinha que resolva o mistério e satisfaça nossos questionamentos. Essa não é a resposta do Evangelho de Cristo. Não. O caminho dele é muito mais maravilhoso do que isso. Ele diz: “Quando houver tribulação ou angústia, eu estarei lá. Eu prometo”.

Um dos dramas mais comoventes na literatura inglesa se encontra no final da obra Um Conto de Duas Cidades de Charles Dickens. “As carroças andavam ruidosamente pelas ruas abarrotadas de Paris, rumo à guilhotina. Em uma delas havia dois prisioneiros: um homem corajoso que há muito tempo havia perdido sua alma, mas a encontrara novamente e agora estava dando a vida por um amigo; e, ao lado dele, uma menina na flor de sua juventude. Ela o vira na prisão e observara a gentileza e a coragem em seu rosto. “Se eu puder me sentar perto de você”, ela havia perguntado, pensando naquela última e pavorosa jornada, “você me deixaria segurar sua mão? Não tenho medo, mas sou pequena e frágil, e isso me daria mais coragem.” Assim, enquanto eram transportados juntos, a mão dela estava na dele; e, mesmo quando chegaram ao local da execução, não havia medo algum em seus olhos. Ela olhou para o rosto calmo e sereno do homem ao seu lado e disse: “Eu acho que você foi enviado pelo céu para mim”.

Qual é a resposta cristã ao mistério do sofrimento? Não é uma explicação lógica, mas uma presença revigorante: Cristo ficará ao seu lado em meio às trevas, a companhia de Cristo transformará o sofrimento numa experiência sagrada. “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo” (Sl 23.4). Por isso, eu também concluo: “Jesus, sim, eu sei que só pode ter sido enviado a mim pelo céu”.

Você se lembra daquela cena maravilhosa no livro de Daniel? “Olhe”, exclamou o rei Nabucodonosor, apontando para a fornalha, “não lançamos três homens atados dentro do fogo? Responderam ao rei: É verdade, ó rei. Tornou ele e disse: Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, sem nenhum dano; e o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses” (ver Dn 3.24-25).

Era a verdade: Deus estava na fornalha, na tempestade e está também na confusão deste mundo perdido de hoje. “Não te importa que pereçamos?” Aqui está a primeira resposta de Cristo: “Lembre-se, você está no mesmo barco com Deus!”

Cala-te, aquieta-te

Qual foi a segunda resposta de Jesus, sua resposta final? Foi sua voz de autoridade, retumbante, ressoando acima da tempestade: “Cala-te! Aquieta-te!” (Mc 4.39).

Creio que sua ordem foi dada de maneira mais direta às ondas turbulentas. Não tenho dúvidas de que houve ali um grande milagre de poder sobrenatural. Mas foi dirigido também ao tumulto interior do coração dos discípulos.

Você pode acreditar que em todas as aflições do mundo, Deus se aflige juntamente; no entanto, você quer mais do que isso. Você pode estar ciente de que “em todas as angústias que partem o coração, o Homem de Dores sente a mesma agonia”; mesmo assim, você precisa de mais do que isso. Você precisa de uma voz que ressoe acima da tempestade: “Cala-te! Aquieta-te!”. Você pode receber este algo mais em Jesus.

Aqueles discípulos deveriam ter confiado nisso! Eles já o tinham visto expulsando demônios, curando enfermos e ressuscitando mortos. Eles deveriam ter sabido de antemão que Jesus faria isso.

Da mesma maneira, você e eu, como cristãos, deveríamos saber. Posso me lembrar de uma ocasião após outra em que tenho experimentado algo semelhante, e você também o pode. Temos testemunhado poderosas ações do Cristo eterno para nos resgatar de situações dramáticas.

Posso estar falando com alguém que está deprimido. Ou com outra pessoa que se sente ameaçada pelas pessoas ou pelas circunstâncias ao seu redor num mundo que não se importa. Ou ainda com alguém que está enfrentando uma dúvida ou tentação assustadora. Hoje, porém, você precisa confiar em Jesus quando lhe disser: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Ele tem poder para conter os ventos, aprisionar os mares e esmagar o terrível espectro do medo, e tornar sua vida realmente mais rica por ter enfrentado o vento da tempestade e o dilúvio. É para a sua turbulência que ele está falando agora: “Cala-te! Aquieta-te!”

“E eles, possuídos de grande temor, diziam uns aos outros: Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?” (Mc 4.41).

Jesus, eu te adoro, meu Senhor e meu Deus!

– Retirado de “Walking with God” (Andando com Deus) por James S. Stewart, editado por Gordon Grant. Copyright © 1996 Propriedade de James S. Stewart. Usado com permissão da Regent College Publishing, regentpublishing.com.

James S. Stewart foi ministro da Igreja da Escócia e é considerado um dos maiores pregadores do século XX.

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